Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Real Beleza

A arte salvará o mundo

por Bruno Carmelo

Na primeira cena deste drama, um fotógrafo famoso e arrogante (Vladimir Brichta) está prestes a realizar um ensaio. Ele reclama da luz, do cenário, e quando é contestado pela modelo, dá-lhe um forte tapa no rosto. Esta é a apresentação não muito lisonjeira de João, o herói da trama. O espectador precisa superar esta péssima primeira impressão para seguir viagem e torcer pela redenção do artista.

Para se reinserir no mercado de trabalho, ele começa a procurar novos talentos entre adolescentes do sul do país. Após centenas de candidatas, encanta-se com Maria (Vitória Strada), garota que tem “algo de diferente”, sem que ele saiba muito bem o quê. A real beleza, de acordo com o protagonista, dialoga apenas com os sentidos, e não com o intelecto. Este homem movido pelo prazer estético (mais tarde, ele defende a perenidade da beleza em detrimento da cultura) vai à casa de Maria, para convencer os pais da garota a assinarem os documentos permitindo que ela parta da cidade e se torne uma grande modelo internacional.

O segundo ato da história foi imediatamente comparado pelos críticos do Cine Ceará 2015 a dois outros filmes: As Pontes de Madison (afinal, o fotógrafo também viaja para uma cidade rural e inicia um romance com uma dona de casa entediada enquanto o marido está ausente) e A Coleção Invisível (pelo contato da arte através de um homem idoso, culto e cego; e pela presença de Vladimir Brichta no papel principal). O diretor e roteirista Jorge Furtado nega ter visto qualquer uma das obras, mas seu drama bebe em fontes bastante clássicas do romance e da discussão da arte como motor de transformação entre os seres humanos.

Real Beleza chama a atenção por sua linguagem cinematográfica simples, acadêmica, “limpa”. A iluminação é clara e sem asperezas, a montagem nunca procura dissonâncias, a trilha aparece durante as cenas de amor, quando surgem também os incômodos zooms no rosto dos atores. Os diálogos são “escritos demais”, ou seja, deixam a impressão de uma leve artificialidade: os atores nunca hesitam ou gaguejam, não cometem erros. Tudo é pronunciado corretamente, de modo às vezes explicativo, para o espectador compreender muito bem o passado e os anseios de cada personagem.

Esse didatismo pode ser decorrente da ousadia de compor uma obra popular sobre arte erudita. O filme faz referência a quadros clássicos, canções consagradas, livros célebres, poetas renomados. Existe uma aura burguesa retratada sem nenhum escárnio (ao contrário do que faria Woody Allen, por exemplo), apenas com um tom geral de tédio que afeta todos os personagens. Vladimir Brichta, Adriana Esteves e Francisco Cuoco extraem o máximo de naturalidade de algumas reviravoltas abruptas demais, às vezes incoerentes com o temperamento dos protagonistas.

Afinal, talvez seja essa a verdadeira marca de Real Beleza: seu otimismo no limite da ingenuidade, permitindo a todos os personagens realizarem os seus sonhos e encontrarem a felicidade. Nenhum obstáculo é impossível de ultrapassar, basta um pouco de conversa para o mundo chegar a um consenso. Furtado chegou a citar uma frase de Dostoiévski, “A beleza salvará o mundo”. Segundo ele, a ideia é otimista demais, mas seu filme segue o mesmo caminho, sugerindo, de certo modo, que “a gentileza salvará o mundo”.

Neste terreno agradável e jovialmente superficial, não se encontra a discussão sobre a beleza sugerida pelo título. A arte é representada pelos cânones, sem questionamento de formas alternativas ou subversivas do belo. Fugindo tanto do estetismo quanto do ensaio filosófico, a obra acredita por fim em uma beleza inexplicável, intrínseca e objetiva: algumas coisas seriam belas para todas as pessoas, funcionando como uma espécie de linguagem universal. Este romantismo permeia o discurso de Jorge Furtado, do personagem João e de toda a obra. É isso que procura o diretor em seu primeiro drama: a arte como forma de comunhão, e não de conflito.

Filme visto no 25º Cine Ceará – Festival Ibero-americano de Cinema, em junho de 2015.