A comédia do homem triste
por Bruno CarmeloÉ bom começar este texto com um aviso, tanto aos fãs de Adam Sandler quanto aos espectadores que não gostam dos filmes dele: esta não é uma comédia típica produzida pelo ator, com pessoas tropeçando e objetos voando em direção a testículos. O cartaz sugere uma trama sobre travestis, mas Trocando os Pés é uma comédia dramática, de tom familiar, doce e praticamente inofensivo.
A trama gira em torno do sapateiro Max Simkin (Adam Sandler), que descobre um poder mágico: após usar uma máquina de costura especial, ele experimenta os sapatos de seus clientes e adquire a aparência deles. “Você só conhece uma pessoa de verdade quando caminha nos sapatos dela”, diz o slogan metafórico do pai que Max, adotado pelo filme de maneira literal. Mas o roteiro fornece uma justificativa para o sapateiro querer mudar de vida: ele é representado como o ícone máximo do loser, o fracassado completo: os negócios não vão nada bem, ele não tem namorada, ainda mora com a mãe e não tem muito dinheiro.
Esta representação preconceituosa do homem solitário se expande a todas as pessoas ao redor. Quando Max veste os sapatos de um homem asiático, torna-se asiático e decide andar por Chinatown, praticando tai chi chuan em praça pública. Quando veste os sapatos de um homem rico (e loiro, e belo, e heterossexual), imediatamente ganha a vida deste, com um carrão e uma modelo pelada em casa. Quando veste um sapato de salto alto, torna-se uma travesti de voz grossa, e quando experimenta os calçados de um homem negro, transforma-se em gângster. A brincadeira explora todos os automatismos do preconceito social: Trocando os Pés desenvolve seu humor como um rolo compressor, uma máquina de fazer clichês.
Mas a trama também abre espaço para temas surpreendentes neste contexto. O filme insere um questionamento sobre o problema da especulação imobiliária nas grandes cidades, a importância do patrimônio cultural, a inserção social dos judeus nos Estados Unidos, a luta militante contra o capitalismo. Todos estes temas sérios poderiam tornar a obra mais interessante, se não ficassem perdidos em meio à fábula familiar. O diretor Thomas McCarthy nunca sabe qual caminho seguir – principalmente rumo ao fim, quando uma nova reviravolta leva a história pelo caminho do filme policial. O roteiro é tão indeciso que tenta transformar em declaração de amor uma cena incômoda, quando Max veste os sapatos de seu pai para ter um encontro romântico com a própria mãe. O protagonista (ou o roteirista) precisa de psicanálise urgente.
Adam Sandler cumpre bem o seu papel. Como já tinha demonstrado em Embriagado de Amor e Homens, Mulheres e Filhos, ele tem recursos suficientes para compor tipos solitários e tristes, com força no olhar e atenção aos diálogos. Method Man também tem uma atuação satisfatória, enquanto o resto do elenco (Dan Stevens, Ellen Barkin) contenta-se com estereótipos de mulherengos e vilões. Dustin Hoffman e Steve Buscemi também não comprometem em seus pequenos papéis, mas é triste ver que Hollywood não tem nada melhor a oferecer a atores tão bons quanto eles.
Trocando os Pés não é tão ruim quanto os detratores de Adam Sandler gostariam que fosse, nem bom o bastante para constituir uma reviravolta dramática na carreira do ator. Trata-se apenas de uma fábula desengonçada, cheia de boas intenções, mas com uma surpresa sofrível no final (tão previsível quanto difícil de acreditar). Ironicamente, o filme mistura elementos fortes como uma trama mágica, crítica política e transformação de personalidade para atingir um resultado domesticado e insípido.