Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Pequeno Dicionário Amoroso 2

Amores e desamores

por Francisco Russo

Ao ser lançado, no primeiro mês de 1997, Pequeno Dicionário Amoroso foi uma surpresa. Pelo gênero, a comédia romântica, pouco explorada pelo cinema brasileiro. Pela narrativa, dividida em verbetes que ajudavam a contar a história de amor de Gabriel e Luíza, e pelo uso dos personagens falando para a câmera, como se estivessem conversando com o público. Pelo desempenho comercial, já que permaneceu em cartaz por 29 semanas e atraiu pouco mais de 400 mil espectadores, em uma época onde cinema brasileiro era uma raridade. Dezoito anos depois, com um quê da trilogia Antes do Amanhecer, é hora de saber o que aconteceu com o casal protagonista. A pergunta que fica é: precisa?

A bem da verdade, não. Por mais que os personagens interpretados por Daniel Dantas e Andréa Beltrão tenham conquistado a simpatia do público – e ambos estejam muito bem -, a trama apresentada no filme original era fechada em si mesmo, ressaltando o processo do apaixonar-se até a desilusão do casamento falido. Havia uma brecha para a continuação da história, mas sem um gancho tão instigante como o utilizado por Richard Linklater na famosa história de amor entre Jesse e Celine. Ainda assim, é bom ver Gabriel e Luíza mais uma vez. Não propriamente por saber o que acontece com eles, mas por constatar o impacto da maturidade em suas vidas, com suas alegrias e tristezas.

Não por acaso, tanto Pequeno Dicionário Amoroso quanto Pequeno Dicionário Amoroso 2 iniciam no cemitério. Mensagem explícita da diretora Sandra Werneck, de que é possível encontrar o amor num lugar rodeado pela morte. Entretanto, a forma como a história se desenrola é bem diferente e reflete o momento de vida do casal protagonista. Se no primeiro há um flerte explícito, e uma excitação inevitável decorrente do possível primeiro encontro, aqui há uma faísca acesa pela saudade. Não propriamente do relacionamento, já que ambos sabem muito bem do fracasso que foi, mas dos bons momentos vividos juntos. Ao invés da cobrança inerente de quem espera um futuro, há um aproveitar o momento que, se por um lado reflete a alegria do reencontro, também tem muito a ver com o descontentamento da situação amorosa de cada um. Tanto Gabriel quanto Luíza vivem no limiar entre a alegria e a tristeza, mesmo que nem sempre tenham plena consciência disto – e é justamente isto que torna este novo filme tão interessante, por abordar como lidar com a gangorra da vida.

Entretanto, esta é apenas uma das histórias do filme. De olho no público jovem, existem dois outros relacionamentos em cena, envolvendo filhos do casal principal, Alice (Fernanda Vasconcellos) e Pedro (Miguel Arraes). Neste ponto, o que chama a atenção é a mudança na própria sociedade nestas quase duas décadas que separam os dois filmes. Se no primeiro a personagem de Mônica Torres se refere exclusivamente aos relacionamentos heterossexuais, aqui há espaço para a pluralidade. “Pra que desperdiçar 50% da humanidade?”, diz a personagem de Fernanda ao defender sua bissexualidade. Do outro lado, o jovem Pedro vivencia um relacionamento à distância, através da internet, com uma mulher bem mais velha que não sabe que ele tem apenas 15 anos. Por mais que sejam bem contadas e atuadas, as subtramas envolvendo Alice e Miguel pecam pela obviedade. Se por um lado servem como contraponto ao relacionamento maduro de Luíza e Gabriel, por outro funcionam mais como reflexo da sociedade atual do que propriamento por algum brilho próprio.

No mais, Pequeno Dicionário Amoroso 2 reprisa algumas características vistas no filme original. Se não há mais as divertidas conversas com o espectador, cheias de reflexões dos personagens, a divisão em verbetes está lá. Há um certo clima requintado, presente através de vários pontos culturais relevantes e a própria paisagem natural do Rio de Janeiro, valorizada pela fotografia de Luís Abramo. E há também Andréa Beltrão, radiante em cena como Luíza, de uma naturalidade impressionante. Com um elenco bem escalado e coeso, Pequeno Dicionário Amoroso 2 é inferior ao original mas, ainda assim, trata-se de um filme que tem muito a dizer sobre relacionamentos amorosos. Por mais que nem sempre o mais importante esteja de forma explícita na telona, como ressalta o ambíguo final ao som de “Futuros Amantes”.