Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Promessas de Guerra

Guerra particular

por Bruno Carmelo

Este filme de guerra tem sido apresentado nos cinemas como “a estreia de Russell Crowe na direção”. Talvez este seja o elemento mais curioso do projeto, mas Promessas de Guerra possui elementos suficientes para se sustentar além do nome inusitado na cadeira do diretor. Ele começa como uma produção de guerra típica – retratando os conflitos em Galípoli, no fim da Primeira Guerra Mundial, quando australianos, britânicos e franceses invadiram a Turquia – para depois alçar voos mais altos.

O aspecto mais interessante do roteiro é a discussão sobre a memória do indivíduo versus a memória da nação. Russell Crowe interpreta o cavador de poços Joshua Connor, um pai cujos filhos foram enviados a Galípoli e nunca mais voltaram. Foram dados como mortos, mas na falta de provas, Joshua viaja à Turquia para encontrar os restos mortais dos três. No caminho, ouve reclamações constantes do tipo “Tivemos 220 mil mortos, e você quer que nos preocupemos com três garotos?”. A legitimidade da busca é contestada ao longo de toda a jornada, como se a memória da nação, mais ampla e historicamente consequente, justificasse o esquecimento dos indivíduos.

A tensão entre o privado e o público, o individual e o coletivo, é abordada ao longo de toda a história. Os roteiristas demonstram a preocupação louvável de manter o retrato político afastado de julgamentos parciais (existem pessoas benevolentes e perversas dos dois lados da batalha), enquanto discutem a possibilidade de uma “guerra mais humana”, no caso, sem ódio pessoal, apenas lutas de honra em nome da noção mais ampla de patriotismo. O argumento pode ser contestado, mas representa um questionamento incomum em produções do gênero.

Atribuindo a si próprio o papel de herói, Russell Crowe poderia transformar Joshua em um pai coragem, algo como os justiceiros interpretados por Liam Neeson em tramas de ação, ou a mãe-mártir de Angelina Jolie em A Troca. Ora, a composição minimalista do ator é louvável: ele apresenta um homem sem grandes habilidades, munido pelo evidente amor paterno, mas desistindo várias vezes durante a jornada. O protagonista prossegue apenas por encontrar um número considerável de pessoas dispostas a ajudá-lo – prova da generosidade deste retrato pós-guerra. Ao mesmo tempo, Joshua sai de uma guerra para entrar em outra, sem saber muito bem o porquê, nem como fugir. Promessas de Guerra sustenta a tese de que a guerra é algo essencialmente artificial e absurdo.

Vale ressaltar que Joshua não sabe combater, não tem malícia nas amizades e com as mulheres. Ele é um sujeito comum, algo que permite ao público uma identificação mais direta. Ao invés de conferir fatores sobre-humanos ao herói (força, destreza, obstinação), o roteiro prefere agraciá-lo com o poder mágico de perceber a presença da água sob o solo, e detectar a localização dos filhos desaparecidos quando se aproxima dos supostos restos mortais. Esta é uma solução fantasiosa, um tanto cafona, mas o filme não tem medo de adentrar o terreno do melodrama.

A prova disso está nas imagens, digna de propagandas turísticas ou comerciais de televisão. As cores são saturadas demais, as cenas apresentam uma quantidade desproporcional de pores do sol, a paisagem está sempre devidamente focada e brilhante ao fundo. Os constantes flashbacks são granulados, cinzentos, com muita câmera lenta. Nos momentos de batalha, uma grua se levanta para captar a movimentação de dezenas de pessoas ao mesmo tempo. Promessas de Guerra segue a cartilha do épico como um aluno dedicado, mas sem imaginação. As imagens do filme são exatamente o que se espera de uma produção do gênero – com uma pequena dose de sadismo, talvez, na repetição de uma cena particularmente violenta da guerra.

O filme perde em autenticidade com a entrada de uma forçadíssima história de amor romântico, que soa como uma obrigação contratual do projeto. Não bastasse o amor paterno e o amor pela nação, a narrativa também explora o envolvimento amoroso entre o australiano Joshua e a turca Ayshe (Olga Kurylenko), numa espécie de união simbólica das duas nações, antigas inimigas. Kurylenko nunca foi uma atriz muito sutil, algo comprovado nos biquinhos de sedução e olhares arregalados de surpresa. Estes momentos são fracos, mas não chegam a comprometer uma obra benevolente e otimista.

Apesar do olhar fetichista ao Oriente (ah, as danças sensuais, os amores na borra do café, as criancinhas em busca de amor paterno!), Promessas de Guerra é uma obra de guerra interessante, e uma estreia digna para Crowe na direção. O conteúdo minimamente questionador compensa o estilo publicitário das imagens, fazendo o filme se sobressair positivamente em meio a um conjunto tão numeroso de obras heroicas e patrióticas.