Sem muletas
por Renato HermsdorffAssim como O Jogo da Imitação, A Teoria de Tudo é a cinebiografia de um gênio cientista britânico que não teve uma vida fácil (no caso, o físico Stephen Hawking). Da mesma forma, o(s) filme(s) traz(em) elementos que costumam agradar as academias responsáveis pelas premiações. A ver: baseia-se de uma história real (Capote, Erin Brockovich - Uma Mulher de Talento); o retratado é do tipo “problemático” (o fator “não teve uma vida fácil”, sabe?, como Uma Lição de Amor, Meu Pé Esquerdo); um papel que exige uma transformação física do ator protagonista (Clube de Compras Dallas, Monster - Desejo Assassino); deixar correr, em paralelo, as histórias profissional e amorosa do personagem central (Pollock, Forrest Gump - O Contador de Histórias).
O problema é que seguir uma determinada cartilha, na maioria das vezes, resulta em uma produção burocrática (Uma Mente Brilhante, O Discurso do Rei). Mas, diferente de O Jogo da Imitação, esse não é o caso deste A Teoria de Tudo.
O filme narra a vida do cientista Stephen Hawking, responsável pela teoria sobre buracos negros e portador de esclerose lateral amiotrófica, que o confinou a uma cadeira de rodas e a uma expectativa de vida de dois anos, quando ainda era jovem. Pois o ator Eddie Redmayne (Os Miseráveis) está absolutamente impecável no papel do protagonista. Ele passa a maior parte do filme mudo, por conta da evolução da doença do personagem, mas adota um repertório de trejeitos e postura (a maneira como ele - não - sustenta o ombro torto, por exemplo) incrivelmente semelhantes aos de Hawking – o resultado é um registro quase que documental sobre o biografado.
James Marsh (vencedor do Oscar de melhor documentário com O Equilibrista) soube aproveitar com sensibilidade o extenso material da vida do estudioso, baseado nas memórias da própria (primeira) esposa de Stephen Hawking, Jane Hawking – interpretada com sutileza por Felicity Jones (O Espetacular Homem-Aranha 2 - A Ameaça de Electro), que passa da excitação do início da relação ao visível cansaço (humano) decorrente dos cuidados com o marido.
O roteiro (de Anthony McCarten) tinha tudo para ser um dramalhão daqueles (afinal, estamos falando de Hollywood), mas se converte em um retrato que, para além de fiel, é poético e (surpresa!) bem-humorado. Ao mesmo tempo em que A Teoria de Tudo é apresentando com leveza, o filme também não foge de polêmicas que poderiam chocar a audiência mais conservadora, a principal delas envolvendo um triângulo amoroso. Em um dado momento, um terceiro elemento, Jonathan Hellyer Jones (Charlie Cox) entra para a vida do casal. Cada um dos personagens tem consciência das suas limitações e, por isso, a iminente mudança na relação é abordada de maneira natural e madura. Não deixa de ser arriscado (afinal, estamos falando de Hollywood).
A fotografia de Benoît Delhomme também chama a atenção: é exuberante, com destaque para a cena do “baile de maio”, quando Stephen joga todo seu charme para Jane, sob as luzes de um carrossel e, em seguida, de fogos de artifício; ou no filtro usado para dar uma cara de caseiro para as cenas do casamento dos dois.
É bem verdade que o contexto geral da trama que envolve as descobertas profissionais – bem como o conhecido ateísmo de Hawking – é deixado de lado para privilegiar a história de amor do casal. Mas é uma opção que, como tal, foi bem executada. E sem a necessidade de muletas (ou cadeira de rodas).
Filme visto no 39º Festival Internacional de Cinema de Toronto, em setembro de 2014.