Para francês ver
por Renato HermsdorffFranceses são tradicionais, elegantes, contidos, finos e, portanto, frios, até. Indianos são criativos, emotivos, festivos, passionais e, por isso, invasivos, às vezes. Se você sobreviver a essa dualidade de clichês que orienta a primeira metade de A 100 Passos de um Sonho pode até se deliciar com a história que vem a seguir.
No filme, o diretor Lasse Hallström volta ao tema gastronômico de Chocolate para contar a história de Hassan Kadam (Manish Dayal), um jovem chef que sai com a família da Índia para a Inglaterra a fim de tentar a vida na cozinha, depois que um incêndio de motivações políticas destrói sua casa na Ásia.
Cansado dos legumes “sem vida” nascidos na terra da Rainha, ele e a família segue sem rumo para o sul da França, onde o carro quebra e eles resolvem fincar raízes, interpretando o acidente como um sinal.
Eles, então, decidem abrir um restaurante na pequena cidade, e o lugar disponível para a empreitada fica justamente do outro lado (ou a 100 passos, do título) do Le Saule Pleureur, restaurante estrelado do Guia Michelin, comandado pela Madame Mallory (Helen Mirren).
A produção de Steven Spielberg e Oprah Winfrey – que, assim como eu ou você, não querem perder dinheiro – e a escolha de Lasse Hallström para comandar o projeto – dos açucarados Um Porto Seguro, Amor Impossível, Querido John e Sempre ao Seu Lado, só para citar alguns – dão uma pista do que se está cozinhando. Acrescente uma atriz ganhadora do Oscar e complete com cenários deslumbrantes do vilarejo de Saint-Antonin-Noble-Val, no sul da França, e... voilà, garanto que sua avó sairá saciada da sessão.
Brincadeiras à parte, A 100 Passos de Um Sonho joga sempre para a plateia. E, por isso, não surpreende. Passada a primeira hora, quase infantil, no entanto, uma sucessão de novos conflitos – não tão óbvios como os iniciais – faz com que Madame Mallory se aproxime do jovem cozinheiro. Aí, o filme ganha sustância e fixa-se uma relação madura entre os dois personagens principais, levando Hassan a ter que fazer uma difícil escolha.
Assim como Fernanda Montenegro, Hellen Mirren não erra. Seja como a megera concorrente, ou como a simpática patrocinadora do jovem, a atriz constrói um repertório de sutilezas variados que, ao mesmo tempo, dão veracidade ao personagem como indivíduo.
Nascido nos Estados Unidos, com cara de indiano de feições europeias, o ator Manish Dayal segura muito bem a onda também.
No mais, tudo é muito bonito: o amor, as raízes, o mito do bom selvagem, as imagens do sul da França mediadas pelo melhor filtro do Instagram.