Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Na Próxima, Acerto no Coração

Arco e flecha

por Francisco Russo

Logo de início surge o alerta: "baseado num dos mais estranhos casos criminais franceses". Não é exagero. A história de Alain Lamare, no filme rebatizado como Franck Neuhart, é daquelas de fazer a alegria de qualquer bom escritor de suspense policial, com um típico gato-e-rato repleto de dubiedade e conflitos psicológicos. Afinal de contas, o serial killer que tanto assusta a população local nada mais é do que um policial. Mais ainda: ele integra o esquadrão designado em capturá-lo. Arco e flecha, o que lhe coloca em uma posição ao mesmo tempo incômoda e confortável.

Mais do que simplesmente relatar os feitos de Lamare/Neuhart, o diretor francês Cédric Anger está mais interessado em compreender este personagem multifacetado, que ao mesmo tempo em que é implacável ao executar suas jovens vítimas é capaz de se machucar em penitência, assumindo à sua maneira a culpa pelas mortes cometidas. Para tanto, conta com dois grandes trunfos: a ambientação precisa, em muito auxiliada pela direção de arte de Thierry François e a fotografia de Thomas Hardmeier, e a bela atuação de Guillaume Canet, em um papel extremamente difícil pela ambiguidade de sentimentos. Afinal de contas, ao mesmo tempo em que Neuhart demonstra uma ânsia em matar que o conduz dia após dia, ele é também o companheiro de trabalho leal e respeitado que, ainda por cima, apresenta momentos de sedução ao lado da jovem Sophie (Ana Girardot).

Sem buscar qualquer justificativa para os crimes cometidos, o diretor os apresenta de forma crua e bruta: Neuhart encontra uma garota na rua, sempre em torno de 20 anos, dá carona e, no meio do caminho, atira sem piedade. O corpo ensanguentado é largado à beira de uma estrada qualquer, aguardando quem o encontre. Conhecendo bem os meandros da polícia, Neuhart consegue "limpar" seus rastros de forma a sempre escapar impune. Mais ainda: envia cartas ameaçadoras, contando vantagem e anunciando que a matança continuará. Por outro lado, quando a polícia chega perto de qualquer caminho que possa identificá-lo, ele não pensa duas vezes em sacrificar seus próprios companheiros pela própria sobrevivência.

No fim das contas, é esta dureza do personagem principal o grande trunfo e mistério do longa-metragem sob o aspecto narrativo. Até que ponto conseguirá conduzir suas variadas facetas de forma que as pessoas nada notem sobre sua vida oculta? Tal ato é calculado, visando escapar de uma possível prisão, ou representa o que ele realmente sente? Não há respostas simples, apenas a contextualização de que a mente humana é mais complexa e imprevisível do que a justificativa objetiva de tantos porquês.

Muito bem desenvolvido, Na Próxima, Acerto no Coração (tradução literal do título original) é um suspense que prende a atenção graças ao inusitado de sua história e o impacto por ela realmente ter ocorrido, aliado ao belo trabalho do diretor e sua equipe técnica juntamente com Canet. Bom filme, que merece ser descoberto.