Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
118 Dias

Tempos sombrios

por Francisco Russo

Durante a Segunda Guerra Mundial, vários filmes foram produzidos como parte do esforço de guerra contra a ameaça nazista. Eram filmes que exaltavam o patriotismo norte-americano, em alguns casos colocando Hitler e seu exército em situações patéticas. Por mais que tivessem sua função social na época, e ainda assim de forma bem questionável, como cinema era algo desprezível. Quase um século se passou e, por mais que o atual contexto político possua nuances bem mais complexas sobre mocinhos e bandidos, o uso dos meios de comunicação como forma de manipulação continua a pleno vapor. 118 Dias, estreia de Jon Stewart na direção, aborda esta questão com veemência. Para o bem e para o mal.

Pouco conhecido no Brasil, Jon Stewart é o apresentador de um conceituado programa de entrevistas norte-americano que tem como tema principal a política, seja a realizada em seu país ou no exterior. Stewart oferece um dos raros palcos onde se pode debater de fato este tema espinhoso e tão importante, mesmo que às vezes coloque suas opiniões pessoais em primeiro plano. Diante disto, é bastante compreensível que tenha se interessado pela história do jornalista Maziar Bahari, que foi encarcerado pelo governo iraniano no período do título pelo simples fato de ter documentado a reação violenta de policiais locais perante uma manifestação popular contra o presidente Mahmoud Ahmadinejad. É a típica situação que, idealista como é, Stewart acredita que precisa ser denunciada aos quatro ventos para que não volte a acontecer. O problema é que sua denúncia é tão tendenciosa que, no fim das contas, acaba agindo contra o próprio filme.

Não se trata de defender Ahmadinejad ou o regime iraniano, o mesmo que há anos proíbe o cineasta Jafar Panahi de rodar novos filmes e defende a tortura como um meio válido para se obter informações. A questão principal é que, em 118 Dias, Stewart sequer tenta compreender a cultura do país e, pior ainda, manipula explicitamente o espectador. Há no filme uma ânsia tão grande em denunciar uma situação absurda que o próprio diretor comete excessos de forma a vilanizar ainda mais algo que, por si só, já é execrável. E, em meio a tanta manipulação, Stewart termina por diluir a força do que denuncia. Um exemplo claro é a acusação gratuita feita que os iranianos são chamados de “comedores de irmãs”, sem que haja o menor contexto para tanto. É um subtexto enviado ao espectadores, de forma que se crie uma antipatia ainda maior pelo país como um todo.

Diante disto, 118 Dias acaba se tornando aquilo que o próprio filme, através do governo iraniano, tanto acusa o mundo ocidental: uma denúncia panfletária. Alguns podem até defender que há motivos para tanto, diante dos abusos cometidos por Ahmadinejad & cia. Trata-se do mesmo argumento tão defendido na batalha ideológica contra Hitler, que pode até ter sua função dentro da luta como um todo mas, em relação à sétima arte propriamente, tem pouco valor. Ainda mais perto de filmes tensos e bem construídos sobre questões políticas, como Tudo Pelo Poder, JFK - A Pergunta Que Não Quer Calar, A Queda - As Últimas Horas de Hitler e tantos outros.

Apesar dos problemas explícitos de condução da trama e até de uma certa ingenuidade na linguagem cinematográfica, natural para um diretor de primeira viagem, ainda assim 118 Dias oferece alguns pontos interessantes. O principal deles é a vingança intelectual implementada por Bahari durante seu cativeiro, que explicita o duelo entre a brutalidade ali vivenciada com a luta pela sanidade mental. Gael García Bernal também se sai bem como o personagem principal, brilhando especialmente na cena da dança sensual em sua cela. E, é claro, a própria saga vivida pelo jornalista ao ficar à mercê do governo iraniano por tanto tempo. No fim das contas, trata-se de um filme interessante mas que deve ser visto com um pé atrás, sabendo analisar o contexto e os interesses existentes por trás da própria produção. 118 Dias não é ruim, mas é bem menos do que gostaria de ser e da imagem que tenta passar ao espectador.