Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Retorno a Ítaca

Uma noite longa

por Francisco Russo

O diretor francês Laurent Cantet despontou de vez ao ganhar a cobiçada Palma de Ouro por Entre os Muros da Escola, em 2008. Seis anos mais tarde, ele mantém o foco no drama social em seu mais recente trabalho, Retorno a Ítaca, mas com um detalhe importante: ao invés da realidade francesa, ou até europeia, Cantet aponta a câmera para o dia a dia em Cuba. E, ao contrário da alegria e cor que se vê habitualmente em produções estrangeiras rodadas na ilha de Fidel, esta surpreende ao demonstrar um profundo conhecimento sobre o estado de espírito da população local.

A história se passa basicamente no terraço de uma casa em Havana, onde cinco amigos de longa data se encontram para festejar o retorno de um deles, Amadeo, que mora na Espanha há 16 anos. Em meio à nostalgia dos bons tempos da juventude, com direito à inevitável constatação do quanto cada um deles envelheceu, emergem rusgas do passado. O cenário, mesclando a beleza da praia próxima aos prédios decadentes que, volta e meia, enfrentam o crônico problema da falta de luz, é um reflexo do que é Cuba nos dias atuais: um misto de sonho e desilusão. Assim também são todos os personagens principais, cada um à sua maneira.

À medida que a conversa entre os amigos avança, as marcas (e mágoas) do passado vêm à tona. É interessante notar a analogia que Cantet faz entre a história e o título do longa-metragem, uma referência à “Odisseia” de Homero, onde Odisseu levou 10 anos para regressar à sua terra natal, Ítaca. O mesmo acontece com Amadeo, que agora sente a necessidade de retornar aos seus pares para que possa retomar uma vida perdida, onde sonhava em se tornar escritor. A busca pela criatividade ausente é também a procura por um país repleto de sonhos, onde a crença do socialismo imperava e a esperança pelo futuro ainda existia. Nos dias atuais, o anúncio do retorno para ficar feito pelo amigo autoexilado causa espanto: “por que?”, diz um deles. “Você está maluco?”, diz outro.

É neste momento que o roteiro, escrito a quatro mãos pelo próprio Cantet e o autor cubano Leonardo Padura, ganha ares bem críticos em relação ao que se tornou Cuba. As frustrações causadas pela vida regida pelo regime de Fidel Castro vêm à tona, a conversa torna-se cada vez mais pesada e sombria ao mesmo tempo em que o companheirismo entre os velhos amigos renasce. Discordando uns dos outros em certos aspectos, mas ainda assim juntos. Como se cada um servisse de apoio ao outro, em uma realidade onde os problemas se multiplicam à medida que a desilusão aumenta.

No fim das contas, Retorno à Ítaca apresenta um panorama bastante abrangente e revelador sobre o estado de espírito da população cubana, seja ela a que viveu o auge do socialismo na ilha ou a que, hoje na adolescência/início da vida adulta, em nada mais acredita. Um retrato duro sobre um país que para muitos serviu como farol da esperança, pelo lado ideológico, construído com habilidade pelo roteiro sem falsas ilusões e conduzido por um elenco coeso e afinado, na nostalgia e na dor. Muito bom filme, que surpreende ainda mais por ter sido rodado por um estrangeiro. É difícil para alguém de fora conseguir entender e transmitir tão bem uma realidade tão próxima ao que é ser um cidadão cubano, com todas as alegrias e dificuldades inerentes.