Jornada espiritual
por Francisco RussoPublicado pelo autor William P. Young em 2007, o livro A Cabana rapidamente se tornou um best-seller - já são ao menos 18 milhões de exemplares vendidos, até a conclusão deste texto. Não é difícil entender o porquê: sua história edificante e serena, apoiada em preceitos religiosos, serve como auto-ajuda em momentos de expiação, de dor e de culpa. Diante de tais características, e tamanho sucesso, chega a ser surpreendente que sua versão cinematográfica tenha levado uma década para enfim acontecer, até mesmo pela simplicidade de sua história e dos recursos necessários para que seja apresentada. Foi apenas com o recente boom de filmes cristãos em Hollywood, dos quais os expoentes maiores são os terríveis Deus Não Está Morto e O Céu é de Verdade, que a adaptação enfim foi autorizada.
Antes de qualquer análise, é importante apontar o público-alvo de A Cabana: pessoas dispostas a louvar. Dentro deste universo, é bem provável que ele seja recebido com entusiasmo. Afinal de contas, trata-se de um filme que prega a fé cristã como algo necessário para a vida, com metáforas didaticamente apresentadas e buscando uma paz de espírito através da redenção. Entretanto, o objetivo aqui não é analisá-lo como peça publicitária religiosa, mas como cinema. E, neste aspecto, o filme possui alguns problemas consideráveis.
O principal deles tem a ver com o ritmo da narrativa. Com 2h13 de duração, A Cabana em vários momentos assume um tom contemplativo de forma a construir em torno do personagem principal o conforto emocional tão procurado. Por mais que visualmente seja agradável, pelo uso de cores suaves e uma fotografia paisagística, há momentos em que a história empaca de forma impiedosa, provocando um certo cansaço. Além disto, as metáforas apresentam um nítido desnível na narrativa, variando entre o didatismo extremo - trecho estrelado por Alice Braga - e o simbolismo exagerado, beirando a superficialidade - caso da joaninha.
Outro claro problema do filme é Sam Worthington, ou melhor, a inexpressividade de Sam Worthington. O protagonista de Avatar aqui dá vida a um personagem que passa por uma intensa jornada espiritual, buscando compreender a dor que sente pela morte de sua filha caçula, mas jamais convence tanto nos momentos de sofrimento quanto no de compreensão. Mas, neste caso, o problema está mesmo na escalação do ator, já que sua limitação é conhecida de outros papéis.
Por outro lado, quem consegue um certo destaque é Octavia Spencer. Por mais que a ganhadora do Oscar por Histórias Cruzadas não destoe de seus maneirismos típicos de atuação, estes se encaixam bem com a proposta de sua personagem - trata-se justamente do caso oposto, de uma seleção precisa. Além disto, a escolha de uma mulher negra para interpretar Deus é uma ousadia bem-vinda - feita pelo livro e seguida pelo filme, é bom ressaltar -, não apenas pela defesa da diversidade mas também contra a imagem estereotipada pregada ao longo dos séculos.
A Cabana também ganha pontos consideráveis na comparação com outros filmes também feitos para louvar, no sentido de não ser ofensivo e maniqueísta perante o espectador. Se é nítido o objetivo de apresentar preceitos religiosos, estes são inseridos na narrativa de forma orgânica e sem a obrigação prévia de aceitá-los. Acima de tudo, trata-se de um filme sobre a fé, sem julgar descrentes nem manipular informações de forma a conquistar adeptos. Ou seja, trata-se de um filme honesto, dentro do que se propõe a ser.
Tendo como lema central "abrace a religião que tudo vai ficar bem", A Cabana cumpre seu objetivo através de métaforas apresentadas com paciência e serenidade, buscando a paz interior através da espiritualidade. Se por um lado soa ingênuo cinematograficamente e até mesmo tendencioso, sem se aprofundar em questões envolvendo a religiosidade e a necessidade de ter uma crença, por outro mantém sempre um tom respeitoso que é raro em produções do gênero.