Quando todos os personagens são coadjuvantes
por Bruno CarmeloO ponto de partida desta ficção científica é interessantíssimo. A bordo de uma espaçonave transportando seres humanos para a vida em outro planeta, um homem e uma mulher acordam no meio do percurso, e ainda têm 90 anos para viverem – e morrerem – durante o trajeto. Como duas pessoas podem ocupar as suas vidas inteiras isoladas da sociedade? De que maneira vão tentar interagir com a Terra? O que teria tornado nosso planeta menos interessante que outros do sistema solar? Quais pessoas têm condições de pagar por esta viagem, e o que buscam no novo destino?
É uma pena que Passageiros não responda satisfatoriamente a nenhuma dessas perguntas. Para um filme com 120 minutos e apenas dois personagens em cena, é impressionante a dificuldade em desenvolver a psicologia de cada um deles. Sabemos que Jim (Chris Pratt) trabalha como mecânico, e Aurora (Jennifer Lawrence) como escritora. Não conhecemos muito bem os seus gostos, o seu passado, a sua relação com a Terra e com amigos, familiares ou amantes. Por esta razão, fica difícil se identificar com eles e torcer pela resolução do problema. Quando Sandra Bullock ficava perdida no espaço em Gravidade, quando Baymax se distanciava numa outra dimensão em Operação Big Hero e quando Tom Hanks se separava do amigo Wilson em Náufrago, nós sofríamos por eles. Mas quando Jim parte sem rumo pelo espaço, a única preocupação é que a narrativa termine por falta de personagens.
Os distribuidores deste projeto devem ter percebido a ausência de um grande conflito, lançando então a dúvida essencial sobre o motivo pelo qual teriam acordado tão cedo. Seria uma sabotagem proposital dos capitães da nave? Nada disso. O motivo é explicado desde o início, de modo banal, anticlimático. As perversas implicações éticas desta revelação são abandonadas em prol de uma fábula amorosa: um homem belo e gentil encontra uma moça bela e gentil e ambos se apaixonam, até porque não sobra muita coisa para fazer em 90 anos de clausura. A trama sugere que o amor é mais forte que a ética, e os fins justificam os meios.
Atenção: possíveis spoilers abaixo.
Se o aspecto humano é mal resolvido, pelo menos as imagens e a concepção futurista poderiam impressionar. No entanto, o imaginário tecnológico apresentado pelo diretor Morten Tyldum em Passageiros é bastante pobre: a função touch screen das telas é suficiente para conseguir de tudo, desde alimentos frescos até uma complexa cirurgia cardíaca. Ao mesmo tempo, um e-mail demora quinze anos para chegar à Terra, e uma árvore pode ser plantada no chão de aço de uma espaçonave a prova de meteoros. A concepção dos avanços humanos é tão desigual que levou alguns espectadores às gargalhadas durante a sessão exibida à imprensa. As cenas parecem ter sido concebidas individualmente, de acordo com a necessidade do momento: quando Jim e Aurora se encontram num impasse, o roteiro simplesmente introduz um terceiro ser humano, responsável por entregar uma informação valiosa antes de desaparecer. Mais acessório do que isso, impossível.
Por fim, o resultado revela um roteiro apressado, que necessitaria de mais tratamentos antes de chegar à tela, além de uma mistura mal resolvida de gêneros. Para um blockbuster de ficção científica, a narrativa é lenta e carente de tensão. Para um romance entre dois atores queridinhos de Hollywood, falta um real motivo para se atraírem, além da solidão, e uma resposta plausível à Síndrome de Estocolmo retratada na trama. Para uma comédia, falta o trabalho do tempo, a velocidade dos diálogos e das cenas. Para um drama, falta desenvolver as questões da sociedade ao redor, da correspondência com as pessoas na Terra, dos elementos de que Jim e Aurora abriram mão para esta viagem. Chris Pratt e Jennifer Lawrence se esforçam para tornar o projeto plausível – ela, especialmente, se sai muito bem – mas de nada adianta quando Tyldum está mais interessado em resolver questões de engenharia do que aprofundar o relacionamento entre os únicos dois seres humanos em cena.