Há Esperança
por Renato HermsdorffEm A Esperança é a Última que Morre, Hortência (Dani Calabresa) é uma repórter de TV caxias e mal-ajambrada a quem só resta cobrir pautas fúteis de uma cidade pequena. Ela sonha em ser âncora do telejornal local. E o desejo fica prestes a se realizar quando a vaga é aberta, já que atual apresentadora (Adriana Garambone), de 40 anos, é julgada “velha” para o posto pelo vaidoso editor – e estrela do canal – JP Macedo (Augusto Madeira). Mas ela tem concorrência: Vanessa (Katiuscia Canoro) é ambiciosa – o tipo que dá para o chefe.
Levará a melhor aquela que apresentar um assunto de interesse nacional. Nerd, Heloísa consegue a pauta: eles vivem na cidade mais segura do mundo. A apuração, no entanto, é roubada pela inescrupulosa rival. Numa reviravolta, com a ajuda de dois amigos do IML (Danton Mello e Rodrigo Sant’anna), o patinho feio acaba inventando um serial killer dos provérbios, furando a amiga e ganhando projeção.
Se você acha que revelamos demais, ainda tem muita água para rolar. Num dado momento, Eric (Danton), interessa amoroso de Heloísa pergunta: “Se tivesse um filme de tudo isso, a gente seria herói ou vilão?” A frase diz muito dessa nova produção que chega aos cinemas, uma comédia nacional boba e, finalmente... boa.
A fala do personagem carrega dois dos maiores méritos de A Esperança... O primeiro é a metalinguagem. O filme faz piada com as comédias e com o fazer cinema de uma maneira geral, de forma auto irônica, ou seja, se permite rir de si mesmo. É crítico com a classe e com o jornalismo. A outra é que nem tudo é preto no branco nessa estreia em longas-metragens de ficção de Calvito Leal (do ótimo documentário Simonal - Ninguém Sabe o Duro que Dei).
Por motivos variados que não cabem ser alongados aqui – mas que têm a ver com as dificuldades de se fazer cinema no Brasil -, a ideia do filme nasceu em 2007, o longa foi filmado no fim de 2013 e já teve a data de estreia alterada (adiada) diversas vezes. Era, por exemplo, para ser o debut dos atores que fizeram fama no formato stand up comedy (e desde então, Dani, por exemplo, já atuou em Cilada.com e Superpai, só para citar dois exemplos). Mas o projeto envelheceu bem.
Diferente das fast comedies made in Brazil que explodiram depois, A Esperança É a Última que Morre tem cara de cinema. Da fotografia solar de Gustavo Hadba, passando pelo figurino deliciosamente exagerado (Ana Avelar) e a direção de arte à la (lá vai) Wes Anderson de Cláudio Amaral Peixoto, tudo contribui para a construção de um clima sessentista de uma cidade pequena parada no tempo. A impressão que fica é que o cronograma largo – voluntário ou não – foi fundamental para apresentar ao público um filme de embalagem caprichada.
Noves fora a chefe do necrotério, personagem da veterana atriz Cora Zobaran (conhecida por uma campanha publicitária de uma rede de supermercados do Rio – é aquela que quer “preço”) – e algumas piadas forçadas de cunho sexual –, o roteiro, assinado por Eduardo Albuquerque, Patrícia Andrade e José Carvalho, é um dos grandes trunfos do filme: criativo, engraçado e redondinho (até os 44 do segundo tempo, pelo menos, mas não falemos de spoilers).
Os papéis são de perfil muito bem delineados: arquétipos, não clichês, o que deixa os atores confortáveis em suas funções. Vale mencionar Danton, como o retraído Eric; Rodrigo Sant’anna (pasmem!), não-histriônico e não-vestido-de-mulher; e, principalmente Calabresa e uma hilária Katiuscia de vilã.
Com o perdão do trocadilho óbvio, A Esperança é a prova de que há esperança.