Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Cine Holliúdy

Filme porreta

por Roberto Cunha

Quando as primeiras imagens dessa produção foram mostradas em um evento fechado para o mercado exibidor bateu uma curiosidade e tanto. Afinal, que raio de diálogo doido era aquele? A explicação veio rápida e quem se aventurar pela sala escura, desavisado, vai levar um susto. Então o ideal é saber de cara que está prestes a ver um filme todinho falado em "cearensês" ou, se preferir, cheio de "cearensidade explícita". Para contornar essa novidade e evitar mal entendidos, a opção dos realizadores foi simples: legendaram. Ou seja, numa época em que o crescimento das cópias/exibições dubladas é notório, esse título nacional se apresenta com esse recurso sui generis e o resultado, usando uma expressão nordestina, é porreta.

Cine Holliúdy se passa no interior do Ceará, ali no início da década de 1970, e o seu protagonista Francisgleydisson (Edmilson Filho) é um apaixonado pela sétima arte, que adora artes marciais e anda preocupado com o crescente interesse da população pela TV. É que a caixa de som e vídeo está matando os cinemas. Cabra da peste arretado, ele resolve enfrentar este desafio se mudando com a esposa e o filhão para uma pequena cidade. Lá, eles fazem uma obra "ligeiro bala" para montar uma sala própria (olha o título) e seguir encantando o povo com as imagens e histórias, com sempre faz com o filho. E o macho que acredita que "tudo tem um jeito" se vira para tocar o negócio, improvisando do jeito que dá e teoricamente não daria. Enquanto isso, um prefeito (Roberto Bomtempo), inspirado em Odorico Paraguassu (O Bem-Amado), quer mais é saber de voto e já encomendou a televisão para a praça local. Será que o herói vai perder essa?

Para quem estabeleceu algum tipo de conexão com o clássico e oscarizado Cinema Paradiso (1988), que emocionou plateias no mundo inteiro, não está errado não. Tem adulto, tem criança, tem cinema... Mas a emoção aqui não é de chorar e pode ser de rir, porque o roteiro do diretor Halder Gomes é simples e não tem a pretensão de ser poético. Quer mesmo é divertir, seja fazendo piada com religião, deficientes, gays, ou falando de sua gente, seu jeito, seus nomes (foneticamente curiosos), as expressões típicas muito engraçadas e, claro, assumindo sem pudor uma deliciosa cafonice nas cores, efeitos e trilha sonora. Aliás, o cantor Márcio Greyck, da inesquecível "Impossível acreditar que perdi você", faz parte dela, além de fazer uma pontinha interessante. E para os ligados em nostalgia (e em música), impossível não sentir saudade ao ver um vinil da Polydor rodando na vitrola.

Também do diretor faixa-preta em Tae-Kwon-Do, o curta Cine Holliúdy – O Astista Contra o Caba do Mal serviu de inspiração e teve carreira vitoriosa em festivais. E a ligação mais óbvia de se fazer é com outro cearense (Renato Aragão e Os Trapalhões) que fez história (nos bons tempos) no humor da televisão e do cinema. Cine Holliúdy está longe de ser obra-prima, mas tem aquela mistura interessante do bobo com o sacana, ajudado por vários coadjuvantes que serão reconhecidos, como o comediante Falcão. E esse personagens são igualmente aficionados por tesouras voadoras, entre outros golpes "na pleura", que os filmes da Band mostravam, devidamente acompanhado de hilárias dublagens. Assim, mesmo que o longa não "aconteça" na região sudeste, uma das últimas a receber o título, seu valor continua sendo inegável. Tanto pela ousadia, chegando pelas beiradas (lançamento regional), quanto pelo baixo orçamento e o rápido retorno obtido. Já foram mais de 400 mil ingressos após nove fins de semana, isso sem as grandes capitais, que concentram o maior número de salas e espectadores. Não é nada, não é nada... É peia!