Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
A Culpa é das Estrelas

Nós somos infinitos

por Bruno Carmelo

Com uma porção de adaptações de livros infantojuvenis chegando aos cinemas – muitas delas pouco impressionantes -, A Culpa é das Estrelas gerava apreensão. Primeiro, por lidar com um tema espinhoso como o câncer na adolescência, e segundo, por escolher duas estrelas em ascensão (Shailene Woodley e Ansel Elgort), algo que poderia ocorrer mais para atrair o público jovem do que realmente pela adequação dos dois ao projeto. Felizmente, o filme supera estes preconceitos e revela-se uma ótima surpresa.

Por ser um melodrama, é esperado que o romance apele para as emoções do público, partindo da identificação com os personagens. Mas ao contrário dos típicos “filmes para chorar”, que inventam sucessivos conflitos para tornar a história mais lacrimosa, este projeto anuncia desde o começo a único (e imenso) problema dos protagonistas: o câncer. Todos os conflitos serão decorrentes desta doença, sem tornar o calvário da dupla maior do que o necessário apenas para despertar o choro. Por isso, o projeto parece bastante honesto, e menos manipulador do que a grande maioria das obras do gênero.

O tom do filme é permeado pela autoparódia como mecanismo de defesa. Hazel (Shailene Woodley) e Gus (Ansel Elgort) brincam com frequência com o fato de ter perdido uma perna, no caso dele, e de ter uma fraca capacidade pulmonar, no caso dela. A comicidade deste projeto é equivalente àquela que tanto agradou os espectadores em Intocáveis, por exemplo, no qual as brincadeiras com a doença e a deficiência eram vistas como uma postura louvável, ao invés das tradicionais autopiedade e vitimização. Hazel e Gus são dois personagens fortes, maduros para a idade que têm, e repletos de perguntas profundas sobre a morte, a vida e o legado que deixarão para seus próximos. Não é nada fácil abordar esses temas com leveza, mas esta obra consegue ser um inesperado feel good movie.

Como adaptação, o filme também merece aplausos. Vale lembrar que esta resenha foi escrita sem leitura prévia do livro de John Green. Mesmo assim, A Culpa é das Estrelas é uma das raras produções adaptadas de uma obra literária que não parece corrida demais, sedenta para incluir o máximo de reviravoltas possível. O ritmo da narrativa é fluido, graças igualmente a uma edição discreta e eficiente. O roteiro faz a curiosa opção de ocultar todos os elementos alheios ao casal principal: não se sabe nada sobre a vida de Hazel na universidade, pouquíssimo sobre a vida dos pais ou os amigos. O foco é nos dois, o tempo inteiro. Os protagonistas estão em cena em todas as imagens, algo que pode parecer redutor para descrever o ambiente ao redor, mas que permite um aprofundamento na personalidade de cada um. É uma aposta arriscada, mas que rende seus frutos.

Os atores também são impressionantes. Se alguém ainda duvidava do talento de Woodley após Os Descendentes e Divergente, neste projeto ela mostra do que é capaz apenas com o olhar e com poucos gestos. Elgort também está à vontade com as tiradas sarcásticas, compondo um personagem interessante, preso entre a aparência forte e as inseguranças que esconde. Com a sintonia entre os atores, as cenas mais belas do filme acontecem em silêncio, quando os dois se comunicam muito claramente com o olhar – como no primeiro encontro no grupo de apoio. Por isso, o diretor Josh Boone opta por colar a câmera no rosto dos dois sempre que possível, evitando qualquer imagem que possa explorar a doença de ambos. Ou seja, Gus raramente é visto caminhando e mostrando sua perna mecânica, enquanto Hazel não revela os tubos que drenam líquidos de seu pulmão. É uma maneira pudica, mas também respeitosa, de sugerir que aqueles personagens valem menos por suas patologias do que pelos seres humanos que são, e pelas emoções que sentem. Completando o bom elenco, Laura Dern tem um papel pequeno, mas afetuoso, e Willem Dafoe faz uma aparição amarga e potente na trama.

Se alguém merece ressalvas neste conjunto, é o próprio diretor Josh Boone. Os diálogos e a narração certamente mereciam algo melhor do que os planos simplíssimos criados pelo cineasta. Boone tem uma maneira bastante cafona de filmar algumas cenas, como o jantar no restaurante holandês (com direito a planos próximos do brinde e de cada prato) e o momento de intimidade entre Hazel e Gus, filmado com a câmera deslizando pelo corpo dos dois, a partir dos pés. Isso sem falar nas câmeras lentas no hospital, ou a imagem tremendo nos momentos de crise respiratória de Hazel. O cineasta tem pouca imaginação, adotando um padrão televisivo e publicitário – principalmente no segmento na Holanda, que adquire um inegável aspecto turístico.

Mesmo assim, A Culpa das Estrelas acaba sendo um projeto muito acima da média em comparação com os dramas normalmente oferecidos ao público adolescente. Os personagens têm complexidade, conseguem alternar entre dúvidas típicas da juventude e questões mais profundas sobre o amor e a morte. Dentro do gênero “melodrama romântico”, Hollywood raramente consegue fazer algo melhor. Sem dúvida, o palavreado simples e direto de John Green para abordar o câncer contribui para atmosfera naturalista e comovente.

Uma frase veio à cabeça após a sessão: “Nós somos infinitos”. Essa não é uma citação do livro de Green, e sim de As Vantagens de Ser Invisível, outro drama adolescente com o qual A Culpa é das Estrelas tem muito em comum. Ambos retratam a juventude de modo grave, mas afetuoso, enquanto refletem sobre a questão essencial da marca deixada por cada pessoa naqueles que a amam. Os dois filmes e livros exploram a bela metáfora do infinito para enfrentar o esquecimento, a passagem do tempo e o medo da morte.