Críticas AdoroCinema
2,0
Fraco
Jackie

América, terra de oportunidades

por Bruno Carmelo

O primeiro fator a ressaltar neste filme é o mérito de sua presença nas telas brasileiras: é raríssimo ter uma produção holandesa nos nossos cinemas. Talvez este road movie de temas universais, com a presença de Holly Hunter no elenco, tenha sido mais simples de exportar. Ou talvez o filme tenha chegado a este lado do Atlântico porque não aborda nenhum tema restrito à cultura holandesa, muito pelo contrário: a trama se passa nos Estados Unidos, com mais da metade dos diálogos falados em inglês, e se há valores em jogo - sejam eles cinematográficos ou ideológicos - trata-se dos valores americanos.

Jackie (Holly Hunter) é a mãe biológica de duas irmãs gêmeas holandesas. Na verdade, ela serviu apenas de barriga de aluguel para um casal gay. Mas cerca de trinta anos mais tarde, quando esta mãe tem um problema de saúde nos Estados Unidos, as duas decidem abandonar a Europa e encontrar sua genitora. Uma das irmãs, Sofie (Carice van Houten), pensa apenas no trabalho e, por isso, não tem uma vida afetiva. Ela usa roupas executivas, pretas, além dos cabelos pretos e presos. Já a irmã, Daan (Jelka van Houten) é loira, pouco inteligente, não trabalha e por isso pensa em ser mãe. Seus cabelos são loiros e soltos.

Os estereótipos dessas representações são um tanto grosseiros, e o espectador não deve demorar a perceber que a intenção do roteiro é fazer cada personagem "evoluir", ou seja, fazer a irmã tensa relaxar, e a irmã simplória se impor. Não seria nenhum spoiler anunciar que a irmã de cabelos presos termina a história com as madeixas soltas, e que a loira adota um rabo de cavalo. Mas a diferença é que, além de pegarem traços uma da outra (transformando-se numa espécie de mulher ideal, um meio-termo entre os dois clichês), elas também adotam um chapéu de caubói e uma camisa de flanela listrada, além de aprenderem a cantar música folk, arrotar cerveja e conversar com lésbicas motorizadas.

A evolução das protagonistas ocorre pelo contato com a América profunda, marcadas por pessoas brutas, desertos cheio de cobras e bares repletos de estupradores. Por isso, a figura oposta às duas frágeis europeias é a mãe americana Jackie, espécie de mulher das cavernas que dispara um rifle com maior frequência do que pronuncia uma frase. Holly Hunter faz desta personagem uma mulher animalesca, endurecida por instinto de sobrevivência no inóspito estado de Novo México.

Sob a direção de Antoinette Beumer, tanto Hunter quanto as irmãs van Houten atuam sempre um grau acima do realismo, como para garantir que a história se torne cômica. Hunter grunhe e urra, Jelka van Houten revira os olhos incessantemente. Mesmo a direção de arte exagera - o trailer em que mora Jackie é um verdadeiro palheiro sobre rodas - e a trilha chega a empregar três míseros segundos de piano para pontuar um curto momento dramático. Apesar da infinidade de clichês sobre autodescoberta, Jackie poderia ser um filme melhor e mais competente se não sublinhasse com tanta ênfase cada atitude tomada pelas personagens, se acreditasse no potencial do espectador em perceber transformações sutis.

Ao invés de sutileza, a fera Jackie salva a vida das duas filhas pelo menos duas vezes, tanto no sentido figurado quanto no sentido estrito do termo. Este não é um road movie de pequenezas, de momentos mínimos, como já fizeram tão bem David Lynch (História Real) ou Kelly Reichardt (Wendy and Lucy), e sim uma história afirmativa e didática, que parece ter Thelma & Louise como horizonte (distante) de referência. Mas Beumer não é Ridley Scott, e sua direção falha nas cenas mais importantes, como a da picada de cobra, a cena da igreja ou na grande surpresa no final.

A câmera simplesmente se recusa a fornecer um plano a mais, se aproximar, resolvendo toda a cena com uma imagem fixa e distante. A decupagem é preguiçosa e ineficaz, assim como a montagem lenta, sem tempo cômico. Jackie, por fim, é um filme cheio de boas vontades e boas mensagens, mas com uma realização deficiente. A seu favor, ele tem a condução despretensiosa e agradável, o tratamento amistoso da diversidade sexual e uma possível leitura sobre a emancipação das mulheres (embora isso possa ser questionado diante de tantos clichês femininos). Mas fãs de road movies já viram dezenas de produções com uma premissa idêntica, desenvolvidas de maneira mais orgânica, e filmadas com mais inteligência.