O problema é a concessão
por Renato HermsdorffBoa Sorte tem uma pegada indie pop, que passa ao largo das comédias e cinebiografias que pipocam na produção nacional. A despeito do esforço aparente em soar diferente, a aposta em um gênero novo – se não inédito, pouco explorado – é, por si só, um mérito. E a estreia de Carolina Jabor (O Mistério do Samba) no comando de um longa-metragem de ficção é resultado de uma direção firme, com planos irreverentes, trilha sonora moderninha, e um belo trabalho de animação para retratar o diário da protagonista que trazem um frescor para tela verde e amarela de cinema.
A escolha de um texto do escritor, roteirista e cineasta porto-alegrense Jorge Furtado como base (o conto “Frontal com Fanta”) é outro acerto. Furtado, que assina o roteiro do filme ao lado do filho Pedro, é um dos cronistas mais relevantes do cenário nacional, e consegue traduzir como poucos o cotidiano da juventude de maneira tocante e bem-humorada – a exemplo de Saneamento Básico, O Filme, Meu Tio Matou um Cara, O Homem que Copiava, Houve uma Vez Dois Verões.
Deborah Secco, a atriz protagonista, tem percorrido o país divulgando o filme para dizer que Boa Sorte é um "divisor de águas" na sua carreira. E ela tem razão. Produtora associada da obra, ela faz da personagem Judite a porta de entrada para o cinema considerado “sério” – assim como algumas atrizes de Hollywood costumam fazer visando ao Oscar. Ela emagreceu cerca de 11 quilos para o papel e assume riscos ao associar sua imagem à de uma dependente química soropositiva sem perspectiva de vida.
É por ela que o adolescente João (João Pedro Zappa) se apaixona. Ele é um sinal dos tempos: ignorado pelos pais, apresenta problemas comportamentais e, como é mais fácil terceirizar o cuidado com os filhos, acaba sendo encaminhado para uma clínica psiquiátrica, onde é diagnosticado com depressão (uma doença, de fato, como é sabido). Internado, ele começa a estabelecer uma relação de afeto com a tal Judite, que, por sua vez, teme que sua iminente morte abale a saúde mental de João.
Até aí, tudo bem. Mas o ato final é digno do pior folhetim. Mastigado, explicado demais, o rumo que o filme toma o iguala a qualquer produção televisiva (leia novela), quando é tirado do espectador o benefício da dúvida, a capacidade de refletir e debater. E pior: acompanhado de uma lição de moral que vai na contramão do respeito e aceitação ao paciente soropositivo que o filme constrói ao longo da projeção no momento em que João (spoiler) faz questão de dizer que não se contaminou.
Pode, então, uma parte (o final), ser tomada como o todo (o filme) na hora do juízo? No caso de Boa Sorte, a resposta é sim, porque é um filme que se pretende diferente, mas nivela-se por baixo ao fazer concessões.
No mais, é se deliciar com mais uma atuação de Fernanda Montenegro, em uma participação pequena como a avó de Judite; e ficar de olho em Pablo Sanábio, o jovem ator que faz brilhantemente o papel de um dos internos da clínica.
Filme visto no Festival de Paulínia, em julho de 2014.