Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Irmãs

Festa de adultos

por Bruno Carmelo

Hollywood sempre foi criticada por produzir através dos “filmes de festa” adolescente - festas de formatura, principalmente - um tipo de idealização do estilo de vida americano, no qual as garotas perfeitas e os atletas populares são recompensados com histórias de amor. Em um registro oposto, produções como Projeto XÉ o FimVizinhos oferecem outro tipo de idealização: a festa sem limites, na qual jovens adultos (geralmente homens) se divertem com a máxima quantidade possível de drogas, álcool, sexo…

Esta é a velha capacidade do cinema de perguntar: “E se…”?, no caso, “E se uma festa passasse de todos os limites possíveis? O que poderia acontecer?”. A ficção funciona como simulação dos absurdos decorrentes do evento, que podem ir da destruição completa da casa ao próprio apocalipse (no caso de É o Fim). Apesar da aparente semelhança, Irmãs apresenta diferenças significativas em relação a estas produções. Em primeiro lugar, as protagonistas são duas mulheres adultas. Em segundo lugar, a narrativa não serve para glorificar os adultos infantilizados, como ocorre nas produções de Seth Rogen e Jonah Hill, e sim para permitir uma passagem à maturidade.

É significativo que as protagonistas sejam mulheres, fora de um relacionamento estável, sem família estabelecida. Os tipos interpretados por Tina FeyAmy Poehler são normalmente figuras criticadas ou observadas com um vitimismo condescendente nas produções americanas, mas neste caso, elas representam as heroínas. As duas mulheres afirmam abertamente os seus desejos sexuais: são elas que flertam com os homens, que propõem o sexo e seduzem de modo tão agressivo que deixam os parceiros constrangidos. Os papéis são invertidos: quem tem a vida sexual mais ativa nesta história são os pais idosos das protagonistas (ótimos personagens, especialmente no final), enquanto a filha adolescente mostra-se bastante madura para a idade.

A festa enlouquecida, organizada por Maura (Amy Poehler) e Kate (Tina Fey) antes que a casa de infância seja vendida, representa mais do que um desejo adolescente de experimentar todos os excessos antes de entrar na fase adulta: elas são um desejo de resgatar os bons tempos de antigamente, vivendo uma liberdade que elas e os colegas de escola, hoje casados e com filhos, já perderam. Irmãs nunca perde a conexão com a realidade: ao invés de negar a vida adulta, ele tenta resgatar aos personagens de 30-40 anos a mesma liberdade moral da adolescência. Esta escolha, em si, já pode ser considerada bastante ousada.

O humor desta produção funciona, principalmente, por causa do imenso talento de suas atrizes. O roteiro de Paula Pell está repleto de piadas verbais, trocadilhos e outras insinuações de duplo sentido. Este é o material perfeito para Fey e Poehler, criadas na tradição do programa Saturday Night Live, que prima pelo tempo e pelo tom dos diálogos - algo que também se percebe na atuação de Maya Rudolph e da excelente Greta Lee. Mesmo nos momentos mais infantis, como a estátua de bailarina introduzida no ânus de James (Ike Barinholtz), o silêncio produz humor eficaz através da sensação de incômodo. A habilidade de pronunciar seriamente diálogos absurdos é algo que falta à maioria das comédias brasileiras, com atores histriônicos decididos a gritar e sublinhar passagens obviamente cômicas, como se o espectador não conseguisse perceber a comicidade sozinho.

É uma pena que a direção de Jason Moore (de A Escolha Perfeita) não possua o mínimo de imaginação para retratar o humor em imagens. O cineasta deposita toda a responsabilidade sobre seu elenco e sobre a direção de arte, que se saem muito bem. Mas ele limita a cartilha cinematográfica aos planos e contraplanos, retratando os momentos de excesso com uma linguagem cinematográfica contida e acadêmica. Cenas como a brincadeira de Maura e Kate no quarto, ou os últimos momentos da festa poderiam ser muito melhores na mão de um diretor com senso de humor estético. Mesmo assim, Irmãs consegue ser uma produção acima da média no que diz respeito às “festas sem limite”, em virtude de seu olhar progressista às personagens e às ações.