Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Um Limite Entre Nós

Laços de família

por Francisco Russo

As cenas iniciais de Um Limite Entre Nós são sintomáticas. Denzel Washington e Stephen Henderson, amigos de décadas, conversam sobre o trabalho como catadores de lixo, ressaltando que tal tarefa é sempre entregue aos negros enquanto que, aos brancos, cabe a função de dirigir os caminhões de lixo. Logo em seguida, a imensa bandeira presente no local de pagamento anuncia: esta é a América, terra onde o preconceito racial está profundamente enraizado na sociedade. Preconceito este que é uma das molas propulsoras da peça teatral escrita por August Wilson, adaptada ao cinema pelas mãos do também diretor Denzel Washington.

Por mais que não conste na dinâmica habitual envolvendo Troy Maxson (Denzel) e sua família, o preconceito marca presença através do profundo rancor que o personagem nutre, por não ter sido tido a chance de se tornar um jogador profissional de baseball. Situado nos anos 1950, pouco após o término da Segunda Guerra Mundial, Um Limite Entre Nós ressalta, sempre, a falta de oportunidades e o preconceito existente às pessoas de cor, por mais que elas demonstrem capacidade para a vaga em questão. É por sentir tal situação na pele que Troy não quer que o filho siga o caminho do esporte: antevendo a frustração que sentiu, considera tal tentativa uma perda de tempo.

Entretanto, limitar ao preconceito a peça escrita por August Wilson seria subestimar o próprio texto. Por mais que ele fundamente os relacionamentos vistos em cena, os conflitos apresentados têm muito a ver com a antiquada visão de respeito imposto pelo homem, o senhor da casa a quem todos devem servir. É neste ponto que entra a hábil transformação de Troy: apresentado como um sujeito boa praça, beberrão e espirituoso, ele aos poucos revela seu modo torto de encarar a vida. Mérito do belo trabalho de Denzel Washington, que inicialmente seduz o público para, aos poucos, conquistar sua antipatia. É ele a força motriz do filme e, também, sua maior fraqueza.

Se Denzel entrega uma atuação carismática e envolvente, digna da indicação ao Oscar que obteve, ele falha em seu lado diretor. Há em cena mais teatro que cinema, não apenas pela interação entre os atores mas, especialmente, pelos enquadramentos limitados e a edição canhestra, que volta e meia provoca uma sensação de estranhamento. O mesmo vale para a trilha sonora, ausente durante grande parte do longa-metragem para, na reta final, surgir com mais força e as várias passagens de tempo vistas durante a narrativa, todas muito bruscas.

Extremamente verborrágico, característica natural de filmes derivados de peças teatrais, Um Limite Entre Nós não consegue transpôr as amarras de seu formato original. Por mais que a força dos diálogos e as boas atuações do elenco sustentem o longa-metragem, este jamais consegue escapar da pecha de teatro filmado. Ainda assim, chama a atenção especialmente pelo desempenho de Denzel Washington (como ator) e também pelos bons trabalhos de Viola Davis, Stephen Henderson e Mykelti Williamson.