Tradição vs. modernidade
por Lucas SalgadoResponsável pelo bom O Samurai do Entardecer (2002), o diretor Yoji Yamada tomou uma atitude bastante arriscada em seu novo projeto: refilmar Era Uma Vez Em Tóquio, clássico de Yasujirō Ozu apontado como um dos melhores filmes da história do cinema. Tal decisão é polêmica e vai sempre gerar uma comparação entre a nova obra e a original. Neste sentido, o novo longa seria muito prejudicado. Em sua defesa, no entanto, surge o fato de que a história pode ser facilmente adaptada para os dias de hoje e também a escolha do diretor em mudar alguns elementos da trama, como a presença de Shoji, que havia morrido na trama do filme de 1953.
Uma Família em Tóquio conta a história de um casal de idosos que mora no interior do Japão e que decide passar alguns dias em Tóquio com os três filhos. Lá, eles percebem que os filhos vivem rotinas muito ocupadas e que possuem outras prioridades. É impressionante a forma delicada com a qual Yamada aborda o rompimento das tradições no país. Os velhinhos não reclamam do tratamento recebido dos filhos, mas é formidável como o espectador acaba sendo afetado por tais situações.
O novo Japão é apresentado como um local em que as pessoas não param de trabalhar ou estudar e têm pouco tempo para a vida em família ou o respeito das tradições, algo que sempre fez parte da cultura local. É curioso notar como dois dos filhos trabalham em ambientes profissionais montados na própria casa (um consultório médico e um salão de beleza). Ainda assim, não possuem tempo para dedicar aos pais. O terceiro filho é uma espécie de ovelha negra. Pouco confiável, mas agradável, ele também rompe com os costumes ao viver um relacionamento sem o conhecimento ou aprovação da família.
O longa coloca o casal principal como alienígenas em seu próprio país. O roteiro de Yamada e Emiko Hiramatsu trata seus protagonistas com muita delicadeza, oferecendo momentos de extrema doçura. Eles estranham o novo universo, mas mantém a dedicação à família. O momento em que a matriarca conhece a namorada de Shoji é de uma sensibilidade única, nos colocando totalmente dentro da obra.
Estrelado por Yû Aoi, Satoshi Tsumabuki, Kazuko Yoshiyuki e Yui Natsukawa, Uma Família em Tóquio faz justiça à obra original, como colabora na exploração de vários novos temas. Aqui, o Japão pós-Segunda Guerra é substituído por aquele do século XXI. É curioso notar que o patriarca parece surpreso e decepcionado com os rumos do país, chegando a falar para um amigo que o Japão se perdeu. Ainda assim, possui um claro patriotismo ao não aceitar que o filho reclamasse da situação nacional.
Retratando Tóquio de forma agitada e claustrofóbica, cujas únicas cores são imanentes de luzes artificiais, o filme muda sua trama para um pequena ilha japonesa na parte final. O local é retratado de forma colorida e repleto de particularidades. Até o clima é diferente do visto na capital, reforçando a ideia de que existem duas faces do Japão.
Contando com uma bela trilha sonora de Joe Hisaishi, o filme é bonito visualmente e conta com um elenco em total sintonia. A fotografia também é bem trabalhada, como vemos na cena em que o casal de velhos está deitado em uma cama de hotel. O trabalho de cores é bem marcante.