Laços de família
por Francisco RussoPicado pelo mosquito do sucesso após Busca Implacável, Liam Neeson cada vez mais tem enveredado pelos gêneros ação e suspense. Tornou-se uma espécie de “Charles Bronson moderno”, turbinado pelo seu potencial dramático como ator, o que em alguns casos acaba também ressaltando o quão desperdiçado é seu talento. Noite Sem Fim é mais um caso em que isto fica explícito.
É verdade que o início do longa-metragem é promissor. Ver Neeson como um Papai Noel bêbado e desbocado diverte, apesar desta ser uma cena bem rápida. O filme logo parte para a apresentação dos estereotipados personagens principais: o respeitado chefão (Ed Harris), o filho irresponsável e inconsequente (Boyd Holbrook), o capanga decadente (Neeson) e o filho que renega o pai (Joel Kinnaman). É este quarteto que conduz a trama, a partir das idiossincrasias de cada um, de forma bem previsível.
Algo interessante construído pelo roteiro é a dualidade do conceito de família. Há aquela formada pelos laços de sangue, pai e filho de fato, que se manifesta tanto pela união dos personagens de Harris e Holbrook quanto pela desunião existente entre os de Neeson e Kinnaman, algo decorrente do trabalho e das posições de comando/subalterno de cada patriarca. Por outro lado, há também a família típica das organizações criminosas personalistas, tão bem representada nos filmes de máfia. O respeito existente entre Neeson e Harris é um importante fio condutor da trama, e funciona até simplesmente ser jogado para escanteio pelo roteiro. Este é um grave problema do filme: para ter o desfecho apresentado, ele poderia ser simplesmente encurtado em cerca de meia hora. Há um rompante de postura inesperado, nem tanto pelo que é feito mas pelo como é feito. E isto, em um filme que lida com linhas tão tênues quanto honra e proteção, faz diferença.
Envolto em um clima soturno onipresente, auxiliado pelo fato do filme se passar basicamente todo à noite, Noite Sem Fim busca criar um clima de suspense a partir da trilha sonora e do carisma de Neeson e Harris. Os veteranos até cumprem seu papel de forma satisfatória, dentro das possibilidades oferecidas por seus personagens, por mais que Neeson em determinado momento ignore toda a dor e ferimento sofrido para encarnar o modo máquina de matar – exageros típicos neste tipo de filme onde o bangue-bangue, muitas vezes, é tratado com mais atenção do que o lado humano.
Neeson já provou que pode oferecer bem mais ao público, mas ao menos por enquanto tem se contentado com filmes como este, menores que seu talento. Apesar de um ou outro diálogo inspirado, no fim das contas é apenas mais do mesmo – e a ala jovem, capitaneada pelo “Robocop” Joel Kinnaman, não ajuda nem um pouco.