Uma carta
por Lucas SalgadoQuerida Angie,
Posse te chamar de Angie? Ou prefere Angelina? Senhora Jolie? Vou de Angie mesmo... Querida Angie, em mais de 20 anos de carreira e vida pública, você (vou te tratar por você, viu?) demonstrou talento em cena e fora de cena. Após uma bela atuação em Gia - Fama e Destruição, você arrasou em Garota, Interrompida, quando recebeu seu Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante.
Na sequência, virou símbolo sexual e se aventurou por projetos que não deram certo, como Pecado Original, Uma Vida em Sete Dias, Roubando Vidas, Alexandre e os dois Lara Croft: Tomb Raider. Se envolvia em algumas polêmicas de tempos em tempos, mas sempre se saía bem por trás das câmeras e já mostrava um importante lado humanitário em uma série de programas sociais.
Em 2005, o que era para ser apenas mais uma comédia de ação (Sr. e Sra. Smith) se transformou em um dos maiores sucessos do ano e gerou o casal 20 da Hollywood do século XXI. A relação também contou com certa polêmica, mas você conseguiu não sair com a imagem desgastada. Ao invés de bater de frente com a indústria da fofoca, você preferiu investir ainda mais em políticas sociais e a se dedicar a questões importantes da sociedade.
Com isso surgiu uma nova fase em sua carreira. Vieram uma série de bons projetos, como O Bom Pastor, O Preço da Coragem e A Troca, e até seus filmes mais fracos ficaram melhores, como é o caso de O Procurado e Salt (vamos esquecer O Turista, tudo bem?). E fora de cena você brilhava cada vez mais. Como embaixadora das Nações Unidos, trabalhou com refugiados em Serra Leoa, Tanzânia e Paquistão, adotou órfãos e foi importante em campanhas de conscientização sobre o câncer de mama e mastectomia. Tudo isso levou a um segundo Oscar, agora um prêmio Humanitário.
Todo este background é para reconhecer que você teve (e ainda tem) uma carreira bem bacana, construída por méritos próprios. Foi também para mostrar que você tem um pouco daquela inquietude que marca as grandes pessoas. Está sempre envolvida com algo e não se deixa abater por projetos que deram errado. Em 2011, quando lançou seu primeiro longa como diretora (Na Terra de Amor e Ódio), você mostrou que estava atrás de grandes histórias e que a nova função não era brincadeira. Você não aparece em cena e também não quis usar seu marido superstar (Brad Pitt). O objetivo era contar uma história, um drama romântico de guerra que retratava as barbáries ocorridas na Guerra da Iugoslávia e não hollywoodizar o conflito. A ideia era boa, mas a execução ficou devendo. A trama era piegas, as atuações fracas e faltava ritmo.
Você não se abateu. Levou para casa uma surreal indicação ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro (???) e partiu para novos projetos. Agora, volta a trabalhar como diretora em Invencível. Mas ainda não foi desta vez que brilhou na direção cinematográfica. O objetivo desta carta não é dizer que você não pode dirigir ou que deve mudar de profissão, mas apenas uma dicazinha. Você trabalhou com Mike Newell, Robert De Niro, Michael Winterbottom e Clint Eastwood. Dá uma ligada pra eles. Pede algumas dicas. Ah! Pede pro Brad o telefone do David Fincher!
Com Invencível, você tem mais uma vez uma grande história. Imagino que tenha sido algo muito especial conviver com o verdadeiro Louis Zamperini e que tenha tido a vontade louca de narrar a trama de um atleta olímpico que passa dois anos capturado por japoneses durante a Segunda Guerra Mundial. Isso depois de passar semanas no mar após um acidente de avião.
Mas... Mais uma vez peca por excessos, criando um melodrama arrastado, repleto de clichês e com uma trilha sonora irritante e onipresente. Você não precisa colocar música no filme todo, viu Angie? Em dramas, por sinal, o silêncio pode ter uma força pungente. O elenco também é um problema. Coadjuvantes como Domhnall Gleeson e Garrett Hedlund mandam bem, mas o protagonista Jack O'Connell deixa um pouco a desejar. Mas mesmo ele é Laurence Olivier se comparado com o vilão interpretado pelo compositor japonês Miyavi. Não sei o motivo de ter escolhido ele para interpretar a Ave, mas sua atuação chega a ser constrangedora. O que foi ele quase chorando num momento de redenção do protagonista?
É claro que a culpa não é só sua, afinal você pegou um roteiro com os nomes dos irmãos Joel Coen e Ethan Coen. Inclusive, me tire uma dúvida: o filme foi mesmo escrito pelos mesmos roteiristas de Fargo, O Grande Lebowski e Onde os Fracos Não Têm Vez? Difícil de acreditar que eles foram responsáveis por diálogos tão repletos de clichês. "Se você aguentar, você vai conseguir", "um instante de dor, vale uma vida de glória", "ele trocou a vingança pela fé"... E por aí vai.
Mas está tudo errado com Invencível? Não, de forma alguma. A sequência de abertura é bem empolgante, com o conflito entre aviões americanos e japoneses. A fotografia de Roger Deakins é muito bonita. Tudo é muito bem feito. Você mostrou que consegue lidar com uma grande produção, mas ainda falta colocar a boa história no papel, investir em montagens menos quadradas e tentar deixar de lado os clichês. Um ou outro até vai, mas um filme todo de clichês de superação não dá.
Melhor sorte no próximo filme. Mande um abraço pro Brad e para as crianças.
Atenciosamente,
Lucas Salgado