Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
Hipócrates

Vida de médico

por Francisco Russo

Médico não é profissão, mas vocação – ou, segundo um personagem do filme, uma maldição. Esta famosa frase é encampada pelo diretor Thomas Lilti em seu novo filme, não por acaso intitulado Hipócrates – para quem não sabe, o “pai da medicina”. Conhecedor do ofício, já que ele próprio é formado como médico, Lilti leva à telas um pouco dos dilemas vividos por um médico, seja lá de qual país for. Inclusive, não seria muito difícil fazer uma versão brasileira deste longa-metragem.

São dois os personagens principais, que refletem variantes da “fauna médica”. Benjamin (Vincent Lacoste) é o típico jovem nascido em berço dourado, que segue os passos do pai na carreira. Por mais que seja esforçado e bem intencionado, não está ainda preparado para encarar de frente as dificuldades decorrentes da profissão. Ao seu lado está Abdel Rezzak (Reda Kateb), médico formado em outro país que, como deseja seguir carreira na França, precisa se submeter ao posto de residente. Por mais que sejam papéis antagônicos na origem, e de certa forma estereotipados – o rico com facilidades e o “pobre” precisando se esforçar para subir na vida -, o trabalho em conjunto de ambos funciona como reflexo dos questionamentos e aflições da profissão. É neste ponto que o filme cresce.

Além do olhar clínico sobre o impacto de fracassos no bem-estar mental dos próprios médicos, o longa ainda oferece questões pertinentes sobre os pacientes, especialmente em relação ao conforto. Eutanásia e a mercantilização do serviço de saúde são alguns dos temas difíceis abordados, por mais que nem sempre de forma tão explícita quanto o necessário. Ainda assim, é nítida a opção do diretor (e também roteirista, ao lado de mais três pessoas) em tomar partido a favor da paixão dos médicos e do quanto eles se dedicam pela profissão. Da mesma forma, o final deixa clara a desilusão existente em trabalhar em um local onde, apesar de todos os esforços, possua problemas estruturais sérios.

Com muita câmera na mão, de forma a transmitir a ideia de vida real dentro do hospital – cenário de praticamente todas as cenas do longa-metragem -, Hipócrates conta com um claro desnível em relação aos protagonistas. Por mais que Reda Kaleb tenha em mãos um papel mais “fácil” pelo lado idealista e correto de seu personagem, ainda assim ele se sai bem mais convincente do que seu parceiro de cena Vincent Lacoste, com um permanente ar blasé que ora soa como petulância, ora como imaturidade. Apesar desta irregularidade, ainda assim Hipócrates oferece um panorama consistente sobre as dificuldades existentes na França – no Brasil e, talvez, em qualquer outro país capitalista – em relação ao serviço de saúde. Interessante, tanto para leigos quanto para aqueles que conhecem bem a área médica.