Críticas AdoroCinema
4,5
Ótimo
Livre

Ela conseguiu

por Renato Hermsdorff

Quase dez anos depois de ganhar o Oscar de melhor atriz por seu papel em Johnny & June, Reese Witherspoon investe, agora como produtora, em outro personagem real: Cheryl Strayed, a mulher que resolveu fazer a trilha de 4.200 Km, que inclui toda a costa oeste dos Estados Unidos, da fronteira com o México até o Canadá, conhecida como "Pacific Crest Trail" – e sem experiência alguma no esporte – em busca de autoconhecimento. E também como forma de expurgar o passado, de drogas e sexo promíscuo.

Livre é baseado no livro "Livre - A Jornada de Uma Mulher Em Busca do Recomeço" que, assim que foi lançado, em 2012, fez um baita sucesso, liderando por sete semanas consecutivas a lista dos mais vendidos de não-ficção do jornal The New York Times; foi selecionado para o popular Clube do Livro de Oprah Winfrey; e traduzido para mais de 30 idiomas.

Reese, que não é boba, lutou pelos direitos da obra e contratou um timaço para dar cabo da adaptação: o canadense Jean-Marc Vallée, o nome do momento desde Clube de Compras Dallas; e o escritor e roteirista Nick Hornby, cultuado por trabalhos como Alta Fidelidade, Um Grande Garoto, Educação. Tudo, no entanto, soando muito calculado, certo? “Mas a gente nunca está preparado para aquilo que espera”, diz Cheryl, em um dos trechos da caminhada. Sábias palavras.

Pois este Wild (no original) – o Na Natureza Selvagem de Reese Whiterspoon – tem fôlego de sobra para as duas horas de duração da projeção. As belas imagens, a edição descontinuada, a trilha sonora “espertinha” (no bom sentido), o som como recurso dramatúrgico (“abafado”, em certos momentos) são alguns elementos que preparam a trilha que faz o roteiro fluir como uma corredeira farta.

A despeito do belo embrulho, Livre é um filme de personagem. E, consequentemente, de atriz. E Whiterspoon mantém o nível acima da copa da árvore mais alta.

Em paralelo corre a ação da própria caminhada, em si, com as bolhas, o perigo de ser atacada por uma cobra, o frio, a falta d´água, o risco de ser estuprada, enfim, desafio é o que não falta, e veremos até que ponto ela vai chegar (literalmente); por outro lado, acompanhamos o passado de Cheryl, em cenas de flashbacks não lineares, para entendermos até que ponto ela chegou (figurativamente). Um recurso batido e, no entanto, usado de maneira rica, fora de ordem, sem padrão, para traçar o perfil psicológico da personagem. E ainda tem humor.

A atriz se entrega ao papel despida (à vezes, literalmente também) de qualquer vício de trabalhos anteriores, em uma performance (in)crível. Com alma, o relato corajoso de Cheryl, a escritora, resultou em um filme, no mínimo, honesto nas mãos da equipe. Emocionante, sem dúvida. Artístico, até. Reese conseguiu.

Filme visto no 39º Festival Internacional de Cinema de Toronto, em setembro de 2014.