Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Star Trek: Sem Fronteiras

No curso do sucesso

por Renato Hermsdorff

Não é exagero dizer que o que J.J. Abrams fez em 2009, com Star Trek, foi revolucionar a franquia Jornada nas Estrelas. O que se viu há sete anos não foi exatamente um reboot, nem mesmo uma sequência, tampouco uma refilmagem e, ao mesmo tempo, a produção daquele ano carregava um tanto de cada uma dessas modalidades – um sinal de respeito, reverência, homenagem, mas sem perder o frescor da originalidade.

O que se seguiu, em 2013, com Além da Escuridão, foi um episódio do universo revitalizado. Coerente, sem dúvida; divertido, certamente; mas distante do caráter inovador do novo filme original – o que, convenhamos, era de se esperar, uma vez que não é todo dia que se inventa a roda. Ainda assim, portanto, episódico, tal qual este Star Trek: Sem Fronteiras, o terceiro produto da atual saga que, em sua defesa, traz características bem peculiares.

A começar pelo roteiro. Coescrito, pela primeira vez, por Simon Pegg (o Montgomery Scott da Enterprise) – em parceria com o desconhecido Doug Jung (da pouco conhecida série Dark Blue: No Limite da Lei) –, o texto, talvez pela natureza da profissão de origem (ator) de seu autor mais conhecido, é mais generoso com o elenco coadjuvante. E há mais humor também – afinal, é de Simon Pegg que estamos falando (a abertura, por exemplo, é hilária).

Desta vez, a tripulação da Enterprise se encontra no terceiro ano da famosa missão que duraria cinco – anunciada no fim da obra anterior. O que vemos é uma situação de normalidade, na busca por novos povos. Normalidade que, para o espevitado Capitão Kirk (Chris Pine), significa tédio. Até que...

O ponto de virada acontece quando Kirk e sua tripulação recebem um pedido de socorro que acaba os ligando ao maléfico Krall (Idris Elba), um insurgente anti-Frota Estelar interessado em um objeto de posse do líder da Enterprise. Numa sequência de ação estonteante, rica em detalhes, a nave é atacada. E o nosso herói vai ter que abandonar o barco – e a tripulação – quando todos caem em um planeta desconhecido.

A despeito da sequência de abertura (de novo, hilária), aqui entram as particularidades do novo filme. Primeiro porque, diferente dos anteriores, se passa em grande parte em “terra firme”; depois porque, ao serem catapultados para o desconhecido, os personagens são rearranjados em dupla. A consequência é uma aposta bem-sucedida na descentralização do bromance Kirk S2 Spock (Zachary Quinto).

Pegg, que já incorporava um irônico e sarcástico Scotty, guardou algumas das falas mais engraçadas para si próprio, é verdade, mas foi também – e principalmente – generoso, presenteando os companheiros de elenco com tiradas para lá de espertas. Spock (agora mais emotivo) ainda é de longe o melhor personagem da saga, mas “Bones” (Karl Urban) ficou com o bônus de fazer dupla com o ser vulcano no novo território e a química reversa entre eles (que, claro, se provocam o tempo inteiro) seria de fazer Kirk corar de ciúmes.

A título informativo, Kirk é pareado com Checkov, o que não deixa de ser uma valorização do personagem de Anton Yelchin, ator morto recentemente em um trágico acidente, configurando uma relevante despedida. E Sofia Boutella entra para a trupe como a guerreira Jaylah – um papel tão bem executado quanto previsível – para engrossar o time feminino praticamente centrado na figura da tripulante Uhura (Zoe Saldana).

 

Voluntaria ou involuntariamente, ao longo de quase 50 anos, Jornada nas Estrelas se tornou uma referência pop em defesa da diversidade. E, nesse sentido, o texto do novo filme, como foi amplamente divulgado, atualiza uma das causas contemporâneas mais comentadas, a da diversidade das orientações sexuais. Sulu (John Cho), o personagem, é revelado gay – uma homenagem a George Takei, o ator, gay, que viveu o papel nos cinemas. A saída do armário da nave se dá de forma natural, sem alarde. O caráter não-panfletário é outro acerto do filme.   

Do ponto de vista da direção, a batuta de Justin Lin, originário da franquia Velozes & Furiosos – depois que J.J. pulou para outra nave (embora continue com o comando criativo da Enterprise como produtor) –, não rege de forma tão frenética quanto seria de se supor. Claro, há tantas e tão longas sequências de batalha quanto há estrelas e constelações no céu. Mas tudo de acordo com o que foi apresentado até aqui.

Uma boa história arquetípica não se faz sem um bom (na verdade, mau) vilão e a figura de Krall é de fato assustadora. Porém, é difícil entender o propósito da escalação de um ator A-list do porte de Elba quando o moço passa a maior parte do tempo coberto por toneladas de maquiagem.

Dentro das expectativas, Star Trek: Sem Fronteiras mantém a jornada no curso do sucesso.