Unidas pela dor
por Francisco Russo“Se puderes olhar, vê. Se podes ver, repara.” É com esta frase de José Saramago, presente da contracapa do livro Ensaio Sobre a Cegueira, que tem início o documentário Repare Bem, dirigido por sua conterrânea Maria de Medeiros. Trata-se de uma síntese do que o espectador verá pelos próximos 95 minutos: uma história escondida nos subterrâneos da alma, que apenas vem à tona graças a um olhar minucioso sobre quem está diante da tela. Mais do que um mero relato, trata-se de uma demonstração do quão profundas foram as marcas deixadas pela tortura ao longo da ditadura militar brasileira.
A bem da verdade, Repare Bem é até um filme simples. Focado principalmente nos depoimentos de Denise e Eduarda Crispim, mãe e filha que são as protagonistas desta história, o longa-metragem não inova em relação à linguagem cinematográfica e nem mesmo tem este objetivo. A câmera, estática na maioria das cenas, tem por objetivo servir como uma espécie de diário, onde ora Denise ora Eduarda confessam sua história de vida. É através destes relatos, muitas vezes carregados de dor e emoção, que o espectador tem a chance de montar o quebra-cabeças da vida delas e compreender o porquê de hoje viverem tão longe uma da outra, apesar do contato constante que mantêm.
Além do lado particular das vidas de Denise e Eduarda, Repare Bem é também um filme importante por apresentar, mais uma vez, o lado violento da ditadura brasileira, por muitos considerada “light”. Mesmo que não tenha alcançado o grau de violência da repressão imposta em outros países, como na Argentina e no Chile, o regime militar nacional também teve suas barbáries, como bem demonstra a tortura calculada recebida por Denise quando estava grávida. O fato de carregar um bebê no ventre não impediu que ela fosse também torturada, só que com certos “cuidados” para que não abortasse. Outro aspecto a se destacar é o impacto psicológico decorrente da tortura, presente até os dias atuais.
Repare Bem é um bom documentário que brilha graças à coragem de Denise ao contar sua história de vida, sem ter medo de deixar a emoção transbordar nos momentos mais pesados. O espectador, do lado de cá da tela, também se emociona, cada um a seu modo. Um filme importante para relembrar o que aconteceu no Brasil de forma que algo do tipo jamais aconteça novamente.