Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
A Família Bélier

Todo sonho é possível

por Bruno Carmelo

A premissa deste filme francês não é muito original: uma garota tímida descobre que tem talento para o canto, o que gera problemas sociais e familiares caso queira seguir esta carreira. Escolher o caminho da música representaria cortar o cordão umbilical, algo doloroso para todos os envolvidos. Existem dezenas de produções sobre jovens desfavorecidos que abrem a boca e, para a surpresa de todos, cantam como grandes profissionais, incluindo Fama, Glitter, Burlesque, Laura, a Voz de Uma Estrela, Apenas uma Chance, e até Annie, que chega aos cinemas em breve.

A maior diferença, neste caso, está na família de Paula (Louane Emera): seu pai, sua mãe e o irmão são surdos-mudos. Por ser a única capaz de escutar, Paula trabalha como intérprete nas negociações comerciais da fazenda familiar, e se encarrega de traduzir a linguagem de sinais para os amigos e vizinhos. Ora, o talento vocal da filha ganha outro significado a partir do momento em que não pode ser apreciado pelos pais. A música também funciona como escapismo à vida de dependência familiar – não é à toa que a canção principal deste drama musical, “Je Vole”, traga os temas do voo, da fuga e da passagem à fase adulta. Por este fator, A Família Bélier se mostra mais complexo do que os filmes que retratam a música como simples talento providencial.

O filme é beneficiado pelo olhar naturalista do diretor Eric Lartigau: a deficiência da família é vista sem piedade ou vitimização. O cineasta deve ter aprendido com o sucesso de Intocáveis que a deficiência física pode ser abordada com humor contanto que se mantenha o respeito e evite o paternalismo. O ambiente rural também é tratado com bem-vindo realismo, sem insinuações de monotonia ou atraso. Mesmo o ambiente escolar e as conversas entre os adolescentes, repletas de gírias e falas rápidas, funcionam como bom retrato da geração atual.

As atuações chamam a atenção. Para o papel dos pais, foram escolhidos dois ícones do cinema francês e belga, respectivamente: Karin Viard e François Damiens. Ambos transitam com facilidade entre a comédia e o drama, algo essencial nesta história, e se equilibram de modo eficaz, já que o estilo contido de Damiens completa a gesticulação exagerada de Viard. Hilários em cena, eles também demonstram respeito no retrato de surdos-mudos. O elo mais fraco do elenco é a protagonista Louane Emera, candidata do programa de calouros The Voice na França, e que faz aqui os seus primeiros passos no cinema. Seu início como atriz é promissor, e ela ainda pode se desenvolver muito, mas a falta de experiência dramática fica visível em cenas importantes como o clímax na Radio France.

No entanto, as maiores limitações de A Família Bélier encontram-se no roteiro. A história tenta amarrar pelo menos três tramas paralelas: a descoberta amorosa de Paula, a descoberta do talento para a música e a vontade do pai de se tornar prefeito do vilarejo. A montagem se esforça para equilibrar paralelamente todas essas tramas, mas aos poucos abandona as histórias secundárias para se consagrar apenas à música. A trama política envolvendo o pai é praticamente ignorada, e personagens com bastante tempo de tela, como o irmão de Paula, não ganham desenvolvimento suficiente. É compreensível que a intenção seja equiparar os sonhos de cada um: tanto a filha, com dificuldades de abandonar a família para se tornar cantora, quanto o pai, com dificuldades de se tornar político por causa da surdez, podem conquistar seus desejos caso tentem bastante. Todos os sonhos podem se concretizar, esta é a mensagem ironicamente idealista do filme esteticamente realista.

Em meio ao idealismo encontra-se também o hino ao amor familiar e a defesa de Paris como cidade onde todos têm a sua chance, algo como uma Nova York dos franceses. “If you can’t make it there, you can’t make it anywhere...” Apesar da previsibilidade e dos clichês, A Família Bélier consegue ser uma comédia dramática musical muito acima da média dos outros filmes do gênero, listados no início deste texto. A ascensão de Paula na música não é súbita, mas fruto de trabalho, e seu tutor neste caminho (interpretado pelo sempre ótimo Eric Elmosnino) também não é um homem generoso, apenas um professor arrogante que por acaso descobre o talento da aluna. A montanha russa de lágrimas e risos é conduzida de maneira fluida, agradável, pouco apelativa. O filme garante ao espectador a recompensa esperada, na hora esperada, mas o caminho até o final está repleto de prazeres.