Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
Mulheres Africanas - A Rede Invisível

Cinema e retórica

por Bruno Carmelo

O claríssimo título deste filme não mente: vemos em tela, durante cerca de 80 minutos, várias mulheres africanas falando sobre si mesmas. Elas vêm de países distintos, representam línguas, religiões e etnias diferentes. Suas atividades também diferem: a ministra Graça Machel fala de política, a escritora Nadine Gordimer discursa sobre simbolismos, a empresária Mama Sara Masari menciona os lucros. Em termos de representatividade, não há do que reclamar: o documentário cumpre exatamente o mínimo contratual que ele parece estipular com este título, e com a data escolhida para seu lançamento – 8 de março, Dia Internacional da Mulher.

O problema vem menos das intenções louváveis de dar voz às mulheres do que da maneira como elas são representadas. Primeiramente, o diretor concentra-se em méritos de suas protagonistas que não estão relacionados nem à geografia, nem ao gênero. É muito interessante ver que uma das entrevistadas conquistou um prêmio Nobel da Paz por seus protestos contra o genocídio, e que outra desenvolveu um negócio lucrativo que era detido há décadas por uma família indiana. Mas o espectador aplaudiria igualmente o Nobel da Paz de um homem, ou as conquistas profissionais de um europeu, asiático ou latino-americano. Da mesma maneira, a ideia de "rede invisível" não faz muito sentido, já que as entrevistadas não parecem se relacionar além da simples evidência de serem, justamente, mulheres e africanas.

Em seguida, o diretor parece tristemente despreparado ao entrevistar pessoas tão importantes, com tanta coisa a dizer. Fica a impressão de que ele não fez a lição de casa, não pesquisou antes de sentar com suas entrevistadas, e limitou-se a fazer perguntas do tipo "Fale um pouco sobre você", ou "Fale sobre as mulheres africanas". O fato é que os depoimentos versam sobre generalidades, ressaltando que as mulheres são importantes, fortes, necessárias – uma antropóloga inclusive lembra que é impossível procriar sem elas. Elas não emitem pensamentos sobre alguma ação social precisa, alguma medida política específica. Tratando de um tema tão complexo, o filme não investiga nem as causas da situação, nem as possíveis soluções.

Pior do que isso, o diretor Carlos Nascimbeni parece perdido com suas imagens e com sua montagem. Enquanto a narração poética e excessivamente teatral de Zezé Motta dá a intenção de que estamos vendo uma vídeo-homenagem, o diretor exibe uma quantidade quase cômica de telefones celulares e automóveis (prova de que a África é, sim, moderna), e inclui cenas desconexas, como o sangue utilizado para as cerimônias de circuncisão ou os leões dormindo na savana. É pouco compreensível que essas imagens tenham sido gravadas, e ainda menos compreensível que tenham sobrevivido ao corte final.

Mulheres Africanas – A Rede Invisível é menos contestável eticamente do que lamentável cinematograficamente. Uma grande produção foi necessária para se viajar a tantos países, falar com tantas personalidades de destaque. Mas chegando lá, o diretor parecia não ter nada específico a dizer sobre o seu tema, como se fosse descobrir nas locações a motivação de seu próprio documentário. Será que ele queria mostrar a diferença entre a posição social de mulheres e homens? Parece que não, já que os homens estão ausentes tanto da imagem quanto do discurso. Será que ele pretendia ressaltar a evolução histórica das mulheres, citar as correntes feministas, mencionar ações que funcionaram, falar do acúmulo entre a função de mãe e de trabalhadora? Nada disso. Pretendia mostrá-las em suas vidas cotidianas? Não, já que existem apenas depoimentos e pequenas encenações diante da câmera, sem uma imersão no cotidiano das personagens.

O documentário acaba sendo um grande exercício de retórica – aquela ferramenta de linguagem cujo valor está não em seu conteúdo, mas em sua própria existência. Grande parte da apreciação de Mulheres Africanas – A Rede Invisível deve vir de suas boas intenções, sem levar em consideração o que o diretor tem a dizer sobre o seu tema. Resta esperar que, no futuro, algum cineasta terá uma motivação pessoal (de ordem militante, social, simbólica, artística etc.) para retratar a condição das mulheres africanas, e que esta reflexão acabará dando origem a um filme – ao invés de esperar que um filme revele, por si só, uma forma de reflexão.