O blues do extraterrestre
por Bruno CarmeloAntes de Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), Os Invasores de Corpos (1978) e Alien, o 8º Passageiro (1979), a humanidade conheceu outro alienígena: David Bowie. O ano é 1976, quando o conceito de blockbuster ainda está se desenvolvendo. Os filmes não são necessariamente pensados para ter sequências ou produtos derivados, nem precisam constituir um espetáculo de efeitos visuais ou sonoros. Por esta razão, e pela maneira criativa com que o diretor Nicolas Roeg aborda o desconhecido, O Homem que Caiu na Terra é uma ficção científica inabitual para o cinema do século XXI.
O ritmo é lento, as explicações são esparsas. Thomas Newton (David Bowie) cai na Terra na primeira cena, e depois trata de vender uma aliança de casamento e entregar patentes bilionárias a um advogado. Mas se as patentes valem tanto, por que ele vende a aliança? O que exatamente contém nesses cálculos matemáticos? Se o alienígena alega não ter água em seu planeta, porque nenhum dos planos cita explicitamente o armazenamento de água para o retorno à terra natal? Se ele enriquece e atinge seus objetivos rapidamente, porque não retorna à família? Estaria descontente com sua esposa e filhos? Mistério. Thomas é menos um extraterrestre com uma missão do que um visitante melancólico, à deriva.
Roeg conduz a narrativa entre o road movie e o drama existencial. As ruas da cidade parecem vazias, as cores são frias e pouco convidativas, e mesmo quando o bilionário escolhe um novo lugar para ficar, trata-se de uma casa isolada dos centros urbanos. A humanidade torna-se um projeto pouco sedutor, mas o planeta do visitante também não desperta muito interesse: além da citada falta de água, a geografia desértica propicia poucas possibilidades de desenvolvimento. Se as patentes alienígenas valem tanto, como essa engenharia não foi empregada no próprio planeta de origem?
O Homem que Caiu na Terra possui elementos questionáveis no roteiro, mas compensa estas falhas com um imaginário excepcional para a ficção científica. Os extraterrestres possuem características físicas e psicológicas diferentes de tudo que já vimos no cinema. O roteiro de Paul Mayersberg (adaptado do romance de Walter Tevis) confere aos visitantes uma complexa sexualidade, e são nessas cenas de intimidade que o cineasta se supera. Os momentos de êxtase sexual e exploração dos corpos são incrivelmente filmados, como num balé impressionista de cores e luzes. A história também faz questão de associar o vazio de Thomas ao consumismo norte-americano e ao poderio bélico pós Guerra do Vietnã.
O elenco traz escolhas interessantes. Com seu olhar frágil e voz doce, David Bowie encarna um bom estrangeiro agorafóbico, embora não consiga criar a intensidade necessária aos momentos de raiva ou desespero. A atuação indiferente contamina o filme, para o bem ou para o mal, gerando uma obra de monotonia elegante e calculada. Candy Clark está espetacular como Mary-Lou, a ingênua camareira que se apaixona por ele, enquanto Rip Torn e Bernie Casey orbitam em torno do protagonista, com personagens nem sempre bem desenvolvidos. Talvez o resultado seja um projeto bagunçado, uma letargia punk que nem sempre forma um conjunto coeso. No entanto, as cenas mais inspiradas são tão marcantes que valem pela obra inteira. Pode não se tratar de um filme genial, mas é um experimento imagético de primeira grandeza.