Reinvenção
por Francisco RussoNa Hollywood atual em que franquias jamais chegam ao fim, chegou a vez de Homens de Preto ser recauchutada - com uma certa dose de imaginação, ao menos em relação aos personagens principais. O trabalho aqui feito pelo diretor F. Gary Gray e sua equipe é muito mais no sentido de trazer algo novo sem abandonar o passado, fórmula clássica para reboots disfarçados de sequência. No caso em questão, explorar toda a estrutura da agência MIB e ícones que consagraram a trilogia original, como o terninho preto básico, os variados gadgets e a imensa fauna de alienígenas contracenando com humanos em uma realidade oculta. Mas sem Will Smith e Tommy Lee Jones, é bom ressaltar.
A dupla que consagrou a franquia aqui aparece apenas em uma homenagem implícita, estrelando uma pintura na qual combate a barata gigante do primeiro filme, sem qualquer citação nominal. Quem retorna é a agente O, interpretada por Emma Thompson, figura central no reposicionamento da série de forma a tornar uma mulher como elemento central da narrativa. Tal reinvenção é o que Homens de Preto Internacional entrega de melhor, ao situar na personagem de Tessa Thompson uma experiência de vida intrinsicamente ligada à própria MIB, provocando uma correlação que molda sua personalidade desde a infância. Por mais que o roteiro da dupla Art Marcum e Matt Holloway não explore a fundo tal viés psicológico, se atendo apenas à apresentação da origem da personagem, trata-se de um desdobramento bastante interessante em relação ao que a franquia havia apresentado até então.
Em menor proporção, o mesmo acontece com Chris Hemsworth. Por mais que o filme insista na exploração da beleza do ator, sob a ótica feminina (ou alienígena), há um ensaio de construção de personagem que foge tanto ao perfil de galã quanto ao de comediante, tão bem interpretado pelo ator em Caça-Fantasmas. A displicência e uma certa arrogância em torno de seu agente H, aliada ao reconhecimento de seus feitos prévios, dão ao personagem um mix de empáfia e cansaço, como se duelasse internamente entre o que precisa fazer e o que deseja fazer. Tal conflito existencial mais uma vez é apenas pincelado pelo roteiro, sem qualquer aprofundamento, mas sua existência em um filme deste porte demonstra um toque de ousadia em tentar fazer algo além do convencional. Soma-se a isto uma certa realocação na realidade dos agentes de uma forma geral, agora interagindo bem mais com as espécies alienígenas que ora protegem, ora enfrentam.
É uma pena que, em meio a tais respiros de ar fresco, Homens de Preto Internacional seja tão burocrático no desenvolvimento da narrativa. Bastante previsível em seu desenrolar, o filme desperdiça a boa parceria de seus protagonistas em sequências de ação displicentes e pouco criativas, impulsionadas por um alivio cômico dispensável. Por mais que até divirta em alguns (poucos) momentos, a presença de Pawny e sua espécie no roteiro é até mesmo dispensável, vide sua completa inutilidade para a trama como um todo - além de emendar uma piada atrás da outra, é claro.
Soma-se a isso uma postura bastante duvidosa, assumida escancaradamente pelo roteiro: em nome de um empoderamento das mulheres, até mesmo natural diante do protagonismo da narrativa dado à personagem de Tessa Thompson, a história a todo instante infantiliza os homens em cena. Tal situação acontece especialmente na dinâmica entre Chris Hemsworth e Rafe Spall, repleta de briguinhas bobas típicas de colégio, mas também pode ser notada a partir de diálogos infantilóides que surgem aqui e ali e mesmo no próprio Pawny, personagem criado para agradar aos menores. Nesta tentativa de agradar um público mais amplo, Homens de Preto Internacional perde muito de seu potencial e, pior, ainda entrega um preconceito implícito em relação às próprias mulheres, que precisariam de tolos ao seu lado para que possam se sobressair. Desnecessário.
Por mais que entregue uma reinvenção até interessante, mais pelos personagens do que propriamente ao que está ao redor, Homens de Preto Internacional é um blockbuster burocrático, que diverte em poucos momentos. Se Tessa Thompson e Chris Hemsworth até sustentam seus agentes com competência, o filme também oferece escolhas equivocadas na condução de roteiro e mesmo de edição, vide o estranho flashback de 2016 apresentado logo no início do longa-metragem, que destoa com boa parte do exibido a seguir.