Vida de artista
por Bruno CarmeloEste pequeno drama apresenta, desde as primeiras imagens, todos os ingredientes positivos e negativos que se espera de um filme independente americano. São poucos personagens, poucos cenários, situações realistas, luz natural. Os protagonistas, como não poderia deixar de ser, são artistas jovens meio marginalizados, com orgulho de fugirem ao sistema. Tudo Acontece em Nova York se encaixa no gênero independente que mistura o carinho com o egocentrismo, o afeto com a condescendência.
O lado bom desta abordagem é propiciar ao espectador uma espécie de realismo cru, raro nos filmes atuais. Sem desejos de estilização, a imagem se contenta em acompanhar os personagens, com uma câmera livre, mas não excessivamente tremida. O roteiro encontra tempo para mostrar a artista plástica Lilas (Lola Bessis, co-diretora do filme) sentada no vaso sanitário, o músico Leward (Dustin Guy Defa) conversando banalidades com os colegas, a enfermeira Mary (Brooke Bloom) consertando o para-brisas do carro. A narrativa sabe dar tempo às coisas comuns, aos atos cotidianos, algo essencial à verossimilhança da história.
O lado negativo, no entanto, é a quantidade de tiques e clichês que os personagens carregam sobre a ideia de marginalidade cool, do artista descolado, esquerdista e de classe média alta. Leeward não consegue pronunciar uma única frase sem gaguejar meia dúzia de vezes, Lilas está sempre vestida como uma boneca de pano cuidadosamente desleixada. Neste mundo em que as pessoas estão “tentando se encontrar”, sobra espaço para todos os tipos de cenas fofas, do tipo que associam a liberdade artística a certa irresponsabilidade e infantilidade – como o pai colocando tinta no café da manhã da filha, para mostrar as belas cores misturadas ao leite.
Desenvolve-se então um maniqueísmo incômodo: artistas marginais são irreverentes, livres, mas qualquer pessoa com um salário e um patrão é necessariamente corrompida. O roteiro contrapõe de maneira quase cômica a imaturidade gentil de Lilas e Leeward ao autoritarismo de Mary e Françoise de Castillon (Anne Consigny). Esta última é uma artista que se vendeu ao sistema, portanto se veste de maneira rígida, com o cabelo preso e um terno discreto, típico de uma chefe de empresa. Os jovens ficam literalmente nus e de ponta cabeça enquanto pintam, enquanto os amargos pagam as contas de casa.
Há pouca originalidade em Tudo Acontece em Nova York, mas o filme não parece querer impressionar, chocar ou inovar. A consciência de sua pequenez é uma das maiores virtudes, embora a oscilação entre o humor voluntário e paródia involuntária gere desconforto. No início, os diretores Lola Bessis e Ruben Amar parecem evitar tanto a crítica quanto a defesa da classe artista caviar, mas aos poucos, passam a apoiar as falhas de caráter dos protagonistas, tratando de fazer com que os seus destinos magicamente correspondam aos seus desejos.
Por fim, sobra um discurso curioso sobre a liberdade artística, supondo que a irresponsabilidade é o preço a pagar pelo talento, por isso, deve ser desculpada e mesmo encorajada. Lilas e Leeward conseguem levar a sua vida sem dificuldades, porque são sustentados por mecenas burocráticos (a mãe e a esposa, respectivamente). Tudo Acontece em Nova York – título fraco, porque supõe uma série de reviravoltas inexistentes na trama – não prega a independência da arte em relação ao sistema, e sim um acordo tácito entre a marginalidade e o centro, entre aqueles que criam e aqueles que consomem. É uma visão contestável, porém otimista e afetuosa, do trabalho artístico.