O peso do mundo nos ombros
por Bruno CarmeloDesde as primeiras cenas, Além da Fronteira surpreende pela amplitude do projeto. O roteiro tenta atribuir a um único personagem uma infinidade de problemas: Nimer (Nicholas Jacob) é um jovem palestino que enfrenta problemas ao estudar em Israel, um homem gay que sofre com uma família intolerante, um pacifista obrigado a conviver com um religioso integrista, um intelectual cercado por pessoas que não valorizam a cultura. Este jovem representa algumas das questões mais complexas dos tempos atuais: o conflito árabe-israelense, o terrorismo, a homofobia, o abuso de poder, a corrupção, a falta de solidariedade entre as pessoas, os povos e as religiões.
Assim, qualquer conflito nesta história tem relação direta com Nimer. Quando um palestino é morto em Israel, trata-se do seu melhor amigo. Quando o noticiário na televisão aponta um terrorista perigoso, é do irmão dele que falam. Nimer parece um autêntico representante das tragédias gregas, condenado pelo destino a sofrer todas as chagas do mundo, em nome do mundo inteiro. Esta pode não ser uma escolha muito plausível, principalmente para um filme de estética natural como este, mas Além da Fronteira assume sua imensa ambição sócio-político-cultural.
Uma consequência óbvia desta escolha é a falta de profundidade - a trama nunca é suficientemente política, nem social, nem romântica. O tradicional nicho de espectadores em busca de um romance gay ficará decepcionado com as raras e pudicas cenas homoafetivas, já o público em busca de uma metáfora política terá que se contentar com poucas menções concretas aos conflitos no Oriente Médio. O roteiro cria uma atmosfera constante de perigo, mas o mal está distante, sem rosto e sem contexto.
Pelo menos, o diretor estreante Michael Mayer tem escolhas estéticas seguras e pessoais, que conferem uma aparência única à produção. Gostando ou não, este é um drama repleto de imagens noturnas, com câmeras meio tremidas e uma quantidade surpreendente de flares, aqueles reflexos na imagem, responsáveis neste caso pela atmosfera meio letárgica, sensual. A imagem cria ao mesmo tempo uma adesão pelo tema realista, e um distanciamento por causa deste filtro leitoso, que remete ao sonho.
O teor lânguido é acentuado pela atuação inexpressiva de Nicholas Jacob no papel principal. Embora o diretor tenha optado por atores experientes para os papéis coadjuvantes, ele entregou seu mais importante e complexo personagem ao novato Jacob. O resultado é decepcionante, com o garoto fazendo a mesma expressão de cachorrinho triste em todas as cenas, sejam elas de medo, tensão, amor, raiva, desejo... Isso sem falar no fraco trabalho de corpo. Certamente, com uma escolha diferente de elenco, a trama teria um resultado melhor.
A escolha do personagem acaba funcionando como uma metáfora do filme inteiro: são temas demais, pesos demais, colocados sobre os ombros de um único jovem, fraco e inexperiente, que sucumbe à responsabilidade. Mesmo assim, Além da Fronteira oferece belas imagens, um ritmo fluido orquestrado pela montagem, e um teor contido de dramaticidade. Diante de tantos romances gays que optam pelo melodrama ingênuo e pelos amores utópicos, é louvável encontrar uma abordagem de pretensão realista.