Críticas AdoroCinema
4,5
Ótimo
Meu Pé de Laranja Lima

Meu querido inimigo

por Francisco Russo

“Meu Pé de Laranja Lima” é um livro clássico na literatura brasileira, que marcou gerações de crianças. Não apenas por retratar o lado imaginativo em uma vida dura, mas especialmente por abordar a questão da morte dentro do imaginário infantil. Também por isso, mas não só por causa deste tema, trata-se de uma história extremamente triste, daquelas de deixar o leitor desamparado em certos momentos. Meu Pé de Laranja Lima, a releitura dirigida por Marcos Bernstein, tem como grande mérito não fugir desta característica. Seu filme mantém o necessário tom de tristeza, sem deixar de lado a criatividade e a sinceridade de ser criança. A morte, afinal de contas, faz parte também da vida.

A história acompanha Zezé, um garoto muito levado que vive aprontando. Apesar de às vezes suas molecagens gerarem consequências graves, Zezé não é uma criança má, apenas não consegue medir seus atos. O problema é que sua família não entende assim e, volta e meia, lhe aplica uma surra. Especialmente seu pai, cuja intolerância é agravada pelo fato de estar desempregado há bastante tempo. Diante de uma vida dura e pobre, Zezé encontra uma saída em sua imaginação. Assim nasce a amizade com Minguinho, seu pé de laranja-lima, com quem costuma brincar e bater papo. É quando o filme ganha um tom poético, com os devaneios do garoto em um mundo onde pode, enfim, ser feliz.

Ao contrário do que acontece na primeira versão para o cinema, lançada em 1970, Marcos Bernstein abre espaço a este lado imaginativo do livro, presente e necessário para toda e qualquer criança. Entretanto, trata-se de uma fantasia com pés no chão, sem grandes exageros e deixando sempre claro que o exibido não se trata da realidade. Outra importante mudança, esta também aplicada em relação ao livro, se refere ao personagem interpretado por Caco Ciocler. Trata-se de uma espécie de modernização da história, de forma a situá-la nos dias atuais mas sem perder sua essência. Pode-se dizer que seja um complemento afetivo, por assim dizer, que tem relação com outro personagem fundamental desta história: o Portuga.

Interpretado por José de Abreu, que dosa bem no típico sotaque lusitano, o Portuga vem a se tornar o “querido inimigo” de Zezé. O relacionamento entre os dois é desenvolvido de forma tocante, indo das desavenças iniciais à amizade incontestável, daquelas em que um não consegue mais viver sem o outro. Todo este processo, entremeado com os problemas enfrentados por Zezé em casa, faz com que o filme consiga transmitir ao espectador a dualidade vivida pelo garoto, que vai do céu ao inferno em questão de momentos, sem esquecer a importante faceta do lirismo.

Com diálogos inspirados, muitas vezes dotados de uma sinceridade devastadora típica das crianças, Meu Pé de Laranja Lima é um filme emocionante. Não apenas pela história em si, mas também pelas opções feitas pelo diretor e as belas atuações de José de Abreu e do protagonista João Guilherme Ávila. O garoto, por sua vez, impressiona com seu olhar tristonho, que combina perfeitamente com Zezé. Um filme belíssimo, de uma ingenuidade cativante, que se mostra uma adaptação à altura do grande livro escrito por José Mauro de Vasconcellos.