Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
A Múmia

Quem com monstro fere com monstro será ferido

por Francisco Russo

O cinema mudou. Se desde a explosão de Star Wars, lá em 1977, Hollywood (e o mundo) se acostumaram cada vez mais com a existência de blockbusters e sequências, fato é que, nos últimos anos, os chamados filme-pipoca passaram por uma certa metamorfose. Em tempos onde ir ao cinema rivaliza com a internet, o trunfo que estúdios e exibidores passaram a adotar foi a chamada experiência na sala escura. Se a popularização do 3D - e seu uso questionável em diversas produções - foi o primeiro passo, a nova moda é oferecer situações imersivas, de forma que o espectador se sinta como se estivesse na pele do protagonista em apuros. Este é o grande atrativo do novo A Múmia, que nada tem a ver com as versões lançadas em 1932 (com Boris Karloff) ou 1999 (com Brendan Fraser).

Sob o aspecto técnico, o novo A Múmia impressiona em certos momentos. Em especial na cena do avião, quando o espectador é jogado dentro de uma turbulenta sequência em queda livre. Situações parecidas surgem em outros breves momentos, como na capotagem de um carro e na brincadeira envolvendo um ônibus. Entretanto, se a habilidade do diretor Alex Kurtzman com efeitos especiais serve para cumprir a cota de intensidade e diversão, necessária a todo e qualquer blockbuster, isto não esconde os vários problemas que o longa-metragem traz em relação ao roteiro.

A começar pelas motivações existentes em relação à personagem-título. Pela primeira vez interpretada por uma mulher, a competente Sofia Boutella, a múmia em questão desperta nos dias atuais repleta de superpoderes para conquistar o mundo... através de um homem. É em busca de Set, o deus da morte, que Ahmanet está a todo instante, disposta a causar muito estrago apenas para invocá-lo no corpo do escolhido de forma a governar ao seu lado. Por mais que tal ato sirva como gancho para a presença de Tom Cruise no ainda nascente universo compartilhado envolvendo os monstros da Universal, por outro lado é uma demonstração escancarada do modo preconceituoso como Hollywood muitas vezes retrata as mulheres, apresentadas (mais uma vez) de forma a gravitar em torno de um personagem masculino. É o que acontece tanto com Boutella quanto com Annabelle Wallis, por mais que sua personagem tenha uma motivação (um pouco) mais consistente para tanto.

Outro ponto que chama a atenção é o quanto o roteiro é simplório. Amparado em seguidas cenas de ação e no carisma de Tom Cruise, o filme pouco desenvolve a história principal de forma a abrir espaço para a implementação do tal universo compartilhado. Muito do que é visto em cena foi feito não de forma a atender às necessidades desta aventura, mas de olho no que ainda será produzido devido à exigência em estabelecer certos alicerces - ecos de uma franquia que não surge de forma orgânica, mas como parte de um ambicioso planejamento pré-estabelecido. Ainda assim, A Múmia entrega questões interessantes envolvendo a dualidade entre o bem e o mal, personificada com exatidão no dr. Jekyll de Russell Crowe, e sobre a curiosa questão do mal ser "curável" - algo que com certeza será mais detalhado nos próximos capítulos desta saga.

No mais, o novo A Múmia assume também de forma escancarada o perfil de aventura com elementos sobrenaturais, mais próxima aos filmes de Piratas do Caribe do que propriamente às suas origens no gênero terror - o que não é demérito algum, é bom ressaltar. Longe do perfil Indiana Jones personificado por Brendan Fraser, desta vez a opção é em ressaltar uma certa dubiedade nos personagens principais de forma a ressaltar o lado sombrio neles existente, algo trabalhado desde a primeira aparição de Tom Cruise. Vale ressaltar também a claríssima influência dos (populares) zumbis na caracterização visual do exército formado por Ahmanet.

Divertido pelo caráter imersivo de certas sequências e pela qualidade de seus aspectos técnicos, em especial efeitos especiais e maquiagem, A Múmia de certa forma tem seus maiores pecados graças ao peso nele imposto em ter que iniciar uma franquia tão grandiosa, que envolva personagens tão desconexos. A necessidade em criar uma teia que possa uní-los no futuro prejudica o presente, impossibilitando um melhor desenvolvimento nesta clássica história de origem. Ainda assim, é um blockbuster competente no que se refere às cenas de ação - e apenas nisto.