Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
O Crime da Gávea

Um neo-noir com atmosfera e problemas

por Rodrigo Torres

O Crime da Gávea é um filme muito bem-intencionado. Para além de se contar uma história, visa a boas resoluções visuais e a um dos mais atmosféricos dos gêneros: o film noir. O resultado, porém, se mostra aquém de suas pretensões. A obra derrapa em sua estrutura confusa, prolixa, dramaturgicamente pobre e amargamente previsível.

Tal como o ótimo título, cuja forma rememora grandes clássicos do gênero no cinema e na literatura, O Crime da Gávea tem uma premissa objetiva: Paulo (Ricardo Duque) chega em casa e encontra sua esposa morta. A filha pequena do casal, de três anos, está ilesa ao lado do cadáver. O mistério que permeia a cena se estende por todo o longa: à medida em que a polícia suspeita do marido, o próprio investiga o caso, confrontando pessoas, eventos e a própria psique, tudo mergulhado em sombras.

A primeira coisa que chama atenção são similaridades com outro exemplar no cinema nacional recente: Para Minha Amada Morta, de Aly Muritiba. Neste filme, Fernando (Fernando Alves Pinto) é o homem perturbado com a morte da esposa, e cuja profissão como fotógrafo, fascínio pelo registro, funcionam convenientemente na busca do protagonista por imagens da mulher numa fita VHS. Autor do livro homônimo original e roteirista de O Crime da GáveaMarcílio Moraes incorpora o ofício de seu protagonista, editor de vídeo, de modo mais complexo: pela montagem, claro. E a coisa degringola.

Baseada na ocupação e na mente confusa de Paulo, o filme revisita as mesmas passagens diversas vezes, especialmente a cena que não sai da cabeça do protagonista: a de sua esposa morta. O exercício é exaustivo, entediante, o que só dilui, não intensifica o mistério. Em outras palavras, uma boa ideia na teoria que, na prática, se mostra desastrada.

Outro elemento que, a fim de denotar a atribulação dos pensamentos de Paulo, é realizado com rigor é a fotografia. A câmera na mão ou sem eixo se esgueira por trás de panos, a imagem perde o foco, se confunde em névoa... Num primeiro momento interessante, o efeito (se) desgasta quando impresso em tantos flashbacks, repetitivos, dessa narrativa (excessivamente) não-linear.

A fotografia funciona bem melhor na construção de uma atmosfera. As penumbras combinam com a trilha ao som de jazz e evocam perfeitamente a tradição noir. Certa sequência no Jockey Club Brasileiro homenageia com inteligência um cenário habitual — vide o clássico O Grande Golpe, de Stanley Kubrick — e um gosto particular (o jogo) dos personagens que marcam o gênero. Mesmo que às vezes soem como planos de ambientação de sitcom, as incessantes imagens noturnas da Pedra da Gávea sob nuvens, por exemplo, funcionam melhor do que diálogos explicativos, até bobos, sobre o misticismo da rocha esfíngica.

Próximo do fim, O Crime da Gávea antecipa a resolução do mistério ao vestir o assassino de quadriculado e colocá-lo atrás das grades imaginárias das sombras de cortinas e persianas — construção estética recorrente no cinema, mas sofisticada, de bela arquitetura e demonstração sutil. O efeito ainda remonta ao expressionismo alemão, tão influente na concepção do noir. O desfecho da trama, ao contrário, adota um tom simplório, numa rápida progressão em flashbacks nada sugestiva que torna óbvia sua grande revelação.

Essa truculência expositiva molda a superficialidade da trama e também dos personagens de O Crime da Gávea. O inspetor Afrânio (Celso Taddei) é a personificação grotesca de aspectos desse tipo de thriller policial (niilismo, cinismo, desconfiança), numa representação toscamente canastrona, de teatralidade involuntária. Simone Spoladore incorpora à perfeição o espírito de femme fatale, invocando dubiedade, sensualidade e perigo em Elisa, mas o roteiro trata de desperdiçar a personagem com um rumo disperso. Assim, eles representam a tônica desse neo-noir de boas referências, boas ideias e até boas resoluções que, em sua integralidade, são mal articuladas.