Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Renascida do Inferno

Com religião e ciência não se brinca

por Bruno Carmelo

Um grupo de pesquisadores coordena um projeto ambicioso, buscando ressuscitar pessoas logo após a morte. Espera-se que um experimento deste nível seja efetuado por grandes cientistas, em um laboratório equipado, mas no caso deste filme de terror, o grupo é composto por quatro jovens, visivelmente amadores e imaturos, que passam o dia presos em um micro laboratório enquanto fumam, bebem, fazem piadas e deixam uma adolescente anônima entrar no local e filmar os testes secretos. Logo, o grupo cria um soro milagroso, capaz de trazer animais de volta à vida.

Ou seja, o ponto de partida de Renascida do Inferno não é nada plausível. Apesar da premissa forçada, o começo da história tem os seus méritos: o principal deles é a discussão sobre os pontos de vista da ciência e da religião no que diz respeito à morte. Frank (Mark Duplass) e Zoe (Olivia Wilde) formam um casal exemplar neste sentido: ele é cético e racional, ela acredita que a ciência não é incompatível com o conceito de alma. Felizmente, nenhum deles é particularmente malvado ou arrogante, ou seja, a trama consegue tratar os dois pontos de vista como complementares.

Começam então diversos experimentos para ressuscitar porcos e cachorros. Esta ideia já foi retratada em muitos filmes, e o roteiro tem consciência disso, fazendo referências explícitas a outras obras como Cujo (1983) e Frankenstein (1931). A trama encontra uma maneira de transpor a experiência em animais à experiência em humanos, construindo progressivamente o clima de tensão decorrente do perigo de se “brincar de Deus”. O suspense também é ajudado pela unidade de espaço: a trama se concentra quase unicamente dentro do laboratório, permitindo ao espectador conhecer o ambiente e construir a importante sensação de confinamento.

Quando Zoe é ressuscitada, e passa a ter comportamentos estranhos, o filme se perde completamente. Não seria justo cobrar inovação de cada história de terror, mas espera-se um mínimo de coerência. Ora, Renascida do Inferno não sabe muito bem quais poderes a garota morta-viva passa a desenvolver: primeiro ela é capaz de ouvir pensamentos alheios, depois projeta os seus sonhos nas cabeças dos outros, em seguida torna-se hiper sexualizada, levita, desaparece, controla objetos com a força do pensamento...

O roteiro é incapaz de dizer se Zoe está possuída, ou se as consequências são científicas, devido à injeção do soro inapropriado a humanos. A discussão fé x ciência perde-se em uma soma desastrada das duas: Zoe torna-se uma vilã onipresente e onipotente, uma combinação inesperada de Frankenstein, Carrie, a Estranha, a sexualizada Nell (O Último Exorcismo – Parte II) e uma porção de super-heróis e super-vilões que invadiram o cinema ultimamente. Tudo vale na hora de possuir Zoe: poderes da mente, poderes do corpo, erros da ciência e castigo divino. O diretor David Gelb opera na lógica do excesso, trocando a coesão da história pelo acúmulo de sustos.

De fato, o diretor insiste em todos os lugares comuns do gênero: laboratórios inexplicavelmente escuros, eletricidade que para de funcionar em momentos de tensão, efeitos sonoros baratos para criar surpresa, personagens que chegam por trás dos colegas para aplicar sustos. Os símbolos também são evidentes: fogo representando o inferno, traumas de infância para justificar a personalidade da protagonista, bonecas como metáfora da infância perdida. Rumo ao final, a montagem se acelera, as mortes se sucedem, e a trama vira uma verdadeira confusão, transitando entre filme de cientistas loucos, filme de possessão, filme de espionagem...

O elenco se esforça para conferir credibilidade à história, mas a direção de Gelb e a direção de arte não contribuem para a empreitada. Renascida do Inferno é um filme enxuto, com noção de ritmo e de progressão, mas munido de um roteiro preguiçoso e ilógico. Quando os espectadores não conseguem acreditar ou se identificar com os personagens, fica difícil torcer por eles, ou temer por suas vidas.