Tradição e modernidade
por Bruno CarmeloA história desta animação espanhola é bastante simples: um garoto desajustado socialmente se rebela contra os planos traçados pelo pai e decide seguir uma vida de aventura. A premissa é semelhante à de diversos filmes de passagem à fase adulta, porém com um diferencial importante: Justin não quer seguir o caminho da modernidade, representado pelo pai advogado, e sim retornar à tradição dos cavaleiros, movidos pelo sentimento de honra e justiça. Na História, as leis apareceram para que os conflitos não precisassem ser resolvidos com a força física, mas Justin prefere o romantismo dos cavalos e espadas.
Por isso, esse aprendiz de Dom Quixote se lança em busca de aventura. O esperto roteiro segue a estrutura tradicional das aventuras medievais, enquanto subverte alguns elementos do percurso. O principal deles é a representação de gênero: a história é marcada por gurus andróginos, garotas fortes e masculinas que vencem grandes lutadores na espada, vilões efeminados que lideram tropas de guerreiros. A mocinha em perigo é uma patricinha arrogante, o homem forte é apenas um covarde com talento para o marketing pessoal. Nenhum personagem corresponde ao estereótipo das histórias de mocinhas e vilões.
A história também tem paciência para construir a personalidade e a ascensão de Justin, o que nem sempre ocorre nas animações. Em uma sequência de treinos digna de Rocky, um Lutador (1976), o garoto aprende a lutar com a ajuda de mestres, e as cenas se sucedem durante um bom tempo, mostrando com calma cada erro e acerto, de maneira a tornar o aprendizado verossímil. Os gurus também não são um único homem sábio, mas três homens diferentes, com opiniões e valores distintos sobre a honra. Talvez Justin e a Espada da Coragem possua personagens e núcleos narrativos demais, mas isso contribui a atribuir maior complexidade às motivações, já que o roteiro não apresenta apenas uma forma de pensar, ou uma noção única de certo e errado.
Já o visual desta produção é excelente, digno das melhores animações de Hollywood. O diretor Manuel Sicilia e os diretores de arte Esteban Martín e Oscar J. Vargas tiveram grande cuidado no desenvolvimento dos cenários e dos figurinos. Cada pedra do castelo, cada planície esverdeada ganha uma quantidade surpreendente de detalhes, acentuados pelo uso eficiente do 3D, que não se limita a criar uma profundidade infinita, apresentando diversas camadas de profundidade (uma pedra em primeiro plano, um personagem mais ao fundo, uma árvore atrás dele, uma colina atrás da árvore...).
Por fim, esta simples fábula de autodescoberta e de amor familiar consegue superar a banalidade do gênero por uma combinação acima da média entre roteiro e técnica. Mesmo a conclusão encontra uma maneira de conciliar a tradição e a modernidade, sugerindo que um governo democrático deve se apoiar tanto nas leis quanto nos símbolos. Justin e a Espada da Coragem não é apenas divertido e bem realizado, ele é também muito mais maduro do que a maioria das produções do gênero.