Filme com coração
por Lucas SalgadoAquela máxima de que uma mentira contada várias vezes se torna verdade pode ser usada para tratarmos de Ben Stiller. Convencionou-se que ele é um péssimo ator, mas isso está muito longe da realidade. Ainda que não tenha ido tão longe nos papéis dramáticos como Jim Carrey, Stiller já mostrou inúmeras vezes possuir talento, e não só na frente das câmeras. Sim, ele fez bombas como Quero Ficar com Polly, Uma Noite no Museu e Antes Só do que Mal Casado, mas também se saiu bem em produções como Quem Vai Ficar Com Mary? e O Solteirão.
Ele também já se mostrou um excelente diretor, realizando obras divertidíssimas como Zoolander e Trovão Tropical. Agora, Stiller reúne o que tem de melhor como ator e diretor e realiza o cativante, divertido e inteligente A Vida Secreta de Walter Mitty.
Walter Mitty (Stiller) é um sujeito sonhador que é responsável pelo departamento de arquivo e revelação da tradicional revista Life, que deixará de ter uma versão impressa para ter apenas conteúdo online. Ele recebe um pacote com negativos de um famoso fotógrafo, com a indicação de uma foto para utilizar na última capa da revista. Mas tem um problema, tal foto não está no pacote e ele é obrigado a procurar pelo misterioso fotógrafo, que não tem telefone e vive por lugares perigosos em busca de grandes imagens.
O personagem tem interesse na colega de trabalho Cheryl (Kristen Wiig), mas não tem coragem de tomar qualquer iniciativa. Ele acaba se aproximando dela diante da necessidade de procurar pela foto e ela acaba sendo um ponto de partida para o fogo que andava apagado dentro dele, o que fica claro na belíssima cena musical que toca "A Space Oddity", clássico de David Bowie.
Walter é um personagem complexo, um cara de vida pacata e de emprego ordinário, mas completamente dedicado à família e ao trabalho. Ele sonha em conhecer o mundo e ter uma relação de cinema, mas isso fica na imaginação, que é ilustrada de forma fantasiosa pelo filme. Ele não tem histórias nem para completar o cadastro em um site de relacionamento, mas a aventura para achar a tal fotografia muda isso e mostra que o protagonista apenas esperava a oportunidade para desabrochar.
As cenas de sonho vão desaparecendo ao longo do filme e o melhor é que o espectador nem sente falta delas. A identificação do público com o protagonista é de fácil alcance. Trata-se de uma pessoa normal que se encontra em uma situação de apatia.
O longa conta com um ótimo design de produção. No início, temos o confronto claro no universo cinza do personagem com as cores de seus sonhos. Ao final, a situação é um pouco diferente. Os efeitos visuais, os cenários e a fotografia são outros grandes méritos do filme.
Shirley MacLaine, Kathryn Hahn e Patton Oswalt surgem em ótimas participações. Mas quem brilha mesmo, além de Stiller, é Sean Penn. O ator tem um ponta curtíssima como o fotógrafo Sean O'Connell, mas consegue capturar com perfeição o espírito de alguém que vive de "capturar o espírito" das pessoas e das coisas. Quem não vai muito bem é Adam Scott. O ator de Parks and Recreation vive o desinteressante chefe de Walter e não passa a força ou a graça que o antagonista merecia. É simplesmente chato.
As quase duas horas de duração pesam um pouco, mas nada que atrapalhe muito o filme, que possui muito, mas muito coração. É difícil não se emocionar com a jornada de Walter, até chegar em uma bela solução final.