Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
A Qualquer Custo

Uma história do Texas

por Francisco Russo

Definitivamente, o faroeste é o mais americano dos gêneros cinematográficos. Muito graças à própria história do país, repleta de situações onde desbravadores precisaram enfrentar condições hostis (leia-se índios) para não apenas ampliar domínios, mas também estabelecer sua própria cultura. Nada muito diferente do que foi feito tão logo os Estados Unidos se estabeleceram como superpotência mundial, exportando o famoso american way of life de olho a ampliar lucros e influências. Só que, inevitavelmente datado, o faroeste aos poucos perdeu força no cinema hollywoodiano. De vez em quando até surge um exemplar mais purista ou uma versão contemporânea, onde elementos do gênero se adaptam à atual realidade. É o caso de A Qualquer Custo, um caso claro de faroeste moderno.

Situado no Texas, o longa conta com características muito particulares do estado natal do ex-presidente George W. Bush, essenciais para a história narrada seja pelos aspectos visuais (os espaços amplos, tanto nas paisagens desérticas quanto dentro da cidade) ou por questões sociológicas (o costume de andar sempre armado, os carros grandes sempre presentes, um certo tom áspero no modo de tratar as pessoas). Só que, mais do que simplesmente retratar o Texas way of life, o roteirista Taylor Sheridan apresenta uma sutil análise sobre o estágio atual daquela localidade, meio perdida no tempo e, de certa forma, empobrecida. A caracterização longe de seu auge, mas ainda se vangloriando de seus áureos tempos, revela ao mesmo tempo um ar saudosista e orgulhoso que reflete a América profunda, distante de centros cosmopolitas como Nova York e Los Angeles. Indo mais longe, tal retrato reflete também o porquê da eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, com o slogan "make America great again", direcionado para pessoas como as retratadas neste filme. A América, no fim das contas, é (também) assim.

É neste ambiente que são situados personagens clássicos do faroeste: o xerife à beira da aposentadoria, aqui representado por um Jeff Bridges de sotaque estranho, a la Antonio Fagundes em O Rei do Gado, e dois antiheróis que, por mais que assaltem bancos, possuem uma justificativa moral para tais atos. Obviamente, tais ícones se enfrentam - e, de certa forma, representam também o passado e o presente. Há neles um simbolismo constante, que vai desde a ética de cada um ao próprio modo de agir - e é neste subtexto que está o lado mais interessante de A Qualquer Custo.

Entretanto, por mais que o roteiro traga sutilezas bastante interessantes sobre o faroeste como gênero e a realidade americana, é também preciso dizer que, como narrativa, há pouco de original em A Qualquer Custo. Por mais que a direção de David Mackenzie seja coerente, explorando a crueza e brutalidade daquela sociedade através de diálogos preconceituosos ou de conflitos corpo a corpo, a própria história e seus personagens principais são bastante previsíveis. A começar pela própria escalação do elenco, já que Ben Foster repete o corriqueiro personagem incontrolável (vide Os Indomáveis ou Assassino a Preço Fixo) e Jeff Bridges tem um papel bem próximo ao por ele (melhor) representado em Bravura Indômita. A única surpresa fica por conta de Chris Pine, que surge mais sisudo e endurecido, barba por fazer, bem longe dos personagens aventureiros e leves com os quais ficou conhecido.

Correto e bem conduzido, A Qualquer Custo funciona a contento dentro de sua proposta de faroeste moderno, mas sem brilho. Há um claro apuro nos efeitos sonoros, de forma a intensificar o impacto dos assaltos a banco, e também na bela trilha sonora, composta pela dupla Nick Cave e Warren Ellis. No fim das contas, o maior valor do filme é no sentido de ser um reflexo do Texas atual - e, por que não?, da tal América profunda - do que propriamente por suas qualidades narrativas.

Filme visto no 69º Festival de Cannes, em maio de 2016.