As aparências enganam
por Francisco RussoPor mais que não seja tão conhecida do grande público, a diretora Nancy Meyers tem carreira em Hollywood. Foi ela quem comandou o icônico Operação Cupido, em 1998, e desde então fez sucessos do porte de Alguém Tem Que Ceder, Do Que as Mulheres Gostam e Simplesmente Complicado. Sempre filmes leves, sem piadas chulas nem grosseiras, que se valem de atores qualificados para desenvolver questões relacionadas ao universo feminino. Um Senhor Estagiário, seu novo trabalho, não é diferente.
À primeira vista, o grande mote deste novo filme é o conflito de gerações. De um lado, há a superativa chefe descolada da empresa nascida na internet, antenada com as maravilhas do mundo moderno. Papel perfeito para Anne Hathaway, que relembra os tempos de O Diabo Veste Prada ao compor uma personagem adorável e extremamente simpática (até demais). Do outro, há o senhor de 70 anos, viúvo e entediado, que se empolga com a oportunidade de voltar a ser estagiário para ter com o que se ocupar. Robert De Niro, que descaradamente mergulhou na comédia desde o sucesso de Máfia no Divã, se encaixa perfeitamente no papel. Nem tanto pelo piloto automático que muitas vezes exibe em filmes do gênero, mas pela paz e sabedoria que emite (até demais).
Como se pode perceber, são personagens “perfeitos”. Entre aspas porque, por mais que cada um tenha seus problemas, eles mantêm uma aura em torno de si que garante o bom humor e o otimismo constantes. Para o tom leve do filme, isto é ótimo. São várias as situações criadas a partir do inevitável conflito de gerações, algumas intencionalmente direcionadas para provocar o riso fácil do espectador, como a pergunta sobre onde pretende estar daqui a 10 anos ou a questão das listas telefônicas. Só que a vida não é um mar de rosas e, quando os personagens enfim se dão conta disto, o filme cresce. Bastante.
Um Senhor Estagiário não é sobre as diferenças no modo de vida atual em relação ao de décadas atrás, nem sobre recomeçar a vida aos 70 anos. Trata-se de um longa sobre a mulher moderna, dividida entre as funções de trabalhadora, esposa e mãe, com todas as benesses e agruras que cada uma delas lhe traz. É o que revela a bela cena já no terço final do longa-metragem, em que Hathaway e De Niro conversam em um quarto de hotel. Falam sobre a vida, inseguranças, sonhos e revelam neuroses. É quando o filme atinge a maturidade, deixando para trás todas as piadas simplórias e bem intencionadas exibidas até então. A fantasia do mundo “perfeito” enfim desmorona, dando boas vindas à realidade.
Ao analisar o cenário atual de Hollywood, é compreensível que a diretora tenha dado tamanha volta até chegar ao que realmente queria abordar. Os grandes estúdios cada vez mais investem em filmes infantilizados, por acreditar que temas adultos rendem menos, em termos financeiros. Ainda assim, a primeira metade de Um Senhor Estagiário não é ruim, só é fácil demais – e tamanha “simplificação” do mundo ao redor acaba sendo um tiro no pé. Até funciona para quem espera pouco além de uns risos aqui e ali, mas nada além disto. Como se pode ver pela segunda metade, Nancy Meyers pode fazer bem mais do que isso. Mesmo que, para tanto, precise pasteurizar seu roteiro para torná-lo palatável aos executivos de Hollywood.