Ar tristonho
por Francisco RussoO cinema voltado para crianças costuma ser voltado para o mero entretenimento, com muito colorido e piadas físicas que, às vezes, beiram a escatologia. No Brasil, o gênero quase sempre enveredou pela presença de ícones da TV, como Renato Aragão, Xuxa e Angélica, como grandes catalisadores para uma história envolvendo comédia e aventura. Com isso, raros são os filmes que tratam a criança não como adulto, mas com algum grau de seriedade envolvendo questões pertinentes à vida real, como a morte. É esta a proposta de Corda Bamba, adaptação do livro homônimo escrito por Lygia Bojunga Nunes onde se pode perceber, desde o início, a mescla do lado lúdico típico do universo infantil com um certo ar tristonho.
O melhor exemplo desta mistura é a cena inicial do longa-metragem, na qual um grupo de palhaços entra no picadeiro encenando o velório de um deles. Por mais que estejam todos devidamente caracterizados, com as inevitáveis brincadeiras surgindo aqui e ali, há um certo clima fúnebre que impede que a diversão corra solta. Assim também é Maria (Bia Goldenstein, em seu primeiro papel no cinema), protagonista do filme, que é obrigada a deixar o mundo do circo para morar com a avó (Stella Freitas). Em meio à diversão trazida pelos padrinhos Foguinho (Augusto Madeira) e Barbuda (Cláudio Mendes), há um clima de seriedade imposto pela brusca mudança de lar que está sempre presente, causando um certo incômodo no espectador. É a realidade mostrando a sua cara, ressaltando que nem tudo na vida são flores.
Caminhando sempre neste linha tênue, Corda Bamba acompanha a busca de Maria em recuperar sua própria memória, bloqueada devido a um grande trauma do passado. É aí que a corda bamba ganha tons metafóricos, servindo de caminho – tortuoso e difícil, é claro – para o inconsciente da menina, onde ela pode vasculhar através de portas localizadas em um corredor escuro. Esta imersão dá ao filme uma densidade poucas vezes vista em um filme infantil, o que de forma alguma o inviabiliza para os menores – ao menos para aqueles que têm em torno de 10 anos, ou seja, são um pouco mais crescidos.
Bem conduzido pelo diretor Eduardo Goldenstein, Corda Bamba brilha ao tratar com competência esta dualidade entre a alegria e a tristeza, sem enveredar unicamente para um dos lados. O destaque fica por conta da inusitada sequência da velha de presente, repleta de diálogos deliciosos que levantam questões bastante pertinentes em relação às injustiças da vida na sociedade moderna, e também para o trabalho de Cláudio Mendes como Barbuda, de uma delicadeza impressionante em contraste com seu visual.