Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
O Homem Duplicado

O barato da aranha

por Renato Hermsdorff

O diretor canadense Denis Villeneuve é um nome a se considerar. Depois de comandar os elogiados Os Suspeitos e Incêndios, coube a ele adaptar para o cinema o ambicioso projeto de O Homem Duplicado (em inglês, Enemy), o intricado livro homônimo de José Saramago, publicado em 2002. O resultado é esquisito, é bom que se avise, principalmente para aqueles acostumados a um tipo de filme mais linear. Mas funciona, que é uma beleza.

Resumindo, a trama traz Adam Bell (Jake Gyllenhaal), um professor de história que leva uma vida pacata e, ao que tudo indica, tediosa. “Os padrões se repetem”, ele professa na sala de aula. Do trabalho, vai para casa, encontra a namorada, dorme e volta ao trabalho no dia seguinte, repetindo a mesma rotina. E assim o filme é montado, repetindo praticamente a "mesma" cena, no início. Um belo dia, um companheiro do corpo docente, assim como quem joga conversa fora, sugere que Adam assista a um filme do qual havia gostado. Adam, então, resolve alugar a fita e, em um dado momento, descobre um sósia entre os figurantes.

Aí, o professor de história inicia uma jornada em busca do ator, chamado Anthony St. Claire (Jake Gyllenhaal, claro). O segundo maior – e mais claro – mérito do filme de Villeneuve, desde o início, é a construção do clima de suspense que vai conduzir todo o filme. Para isso, além da montagem, ele conta com uma trilha sonora soturna, uma iluminação sombria e a interpretação dos atores combina perfeitamente com atmosfera – centrados na figura duplicada de Gyllenhaal (Adam/ Anthony), na namorada de Adam (Mélanie Laurent), a esposa de Anthony (Sarah Gadon) - o tempo inteiro com uma ruguinha de dúvida na testa, que é como o espectador deve se sentir - e uma participação pequena, porém muito significativa, de Isabella Rossellini como a mãe do historiador.

O diretor conseguiu ser o mais fiel possível ao universo do livro de Saramago, mexendo apenas no que era necessário. Nomes foram adaptados (difícil imaginar um americano pronunciando Tertuliano Máximo Afonso, que virou Adam Bell) e algumas situações precisaram de ajustes para ficarem críveis (na obra literária, para encontrar seu sósia, o professor passa a alugar todos os filmes da mesma produtora para a qual Anthony St. Claire trabalha – no filme, ele pesquisa no Google).

Há uma série de teorias elaboradas a respeito da história, ramificações do questionamento central, que implica em se perguntar se Adam e Anthony são mesmo a mesma pessoa. Não há certo ou errado. A resposta vai depender da leitura de cada um. E é bom que se avise: a figura de uma aranha traz pinceladas surreais ao enredo. E, com toda a simbologia atrelada ao animal, cabe ao espectador tirar suas próprias conclusões. Esse, aliás, é o grande barato de O Homem Duplicado.