Críticas AdoroCinema
4,0
Muito bom
Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência

A estranha vida comum

por Francisco Russo

Um Pombo Pousou num Galho Refletindo sobre a Existência é um filme estranho, é preciso avisar de imediato. Entretanto, não se trata de uma estranheza ruim, destrutiva, mas daqueles raros exemplares que, vez ou outra, surgem para quebrar a rotina cinematográfica. O mais curioso é que a matéria-prima do longa-metragem é justamente esta: a rotina do dia a dia, mais exatamente, de dois vendedores ambulantes entediados. Mas, mesmo eles não são onipresentes no longa-metragem, surgem aqui e ali, de forma a dar alguma continuidade à história como um todo. Repetindo: alguma.

Um Pombo... na verdade se assemelha mais aos filmes do saudoso Monty Phyton, repleto de esquetes irônicas que nem sempre interagiam entre si. O diretor Roy Andersson vai ainda mais longe: se nos filmes do Phyton há ao menos uma subtrama a cada nova historieta, aqui a graça às vezes vem do simples observar o que está acontecendo. Só que o universo retratado no longa-metragem, repleto de pessoas pálidas graças ao excesso intencional de maquiagem, é tão seco no sentido emocional que, muitas vezes, se tem a sensação de ser uma sociedade "morta". Também por isso, os raros momentos em que a emoção enfim vem à tona ganham tanto destaque.

Dotado de um senso crítico afiado, em relação às mesquinharias da vida diária em sociedade, o diretor (que também escreveu o roteiro) não tem medo de ir fundo no sarcasmo e no humor negro. Diante desta proposta, Um Pombo... oferece alguns momentos brilhantes - as esquetes situadas no bar, quando o exército passa pelo local, e a do beijo, exibida em flashback, são de gargalhar - e outras incômodas pela frieza absoluta - as primeiras, relatando encontros com a morte, por exemplo. Entretanto, em seu terço final o longa sofre uma mudança um tanto quanto brusca, de forma a ficar ainda mais pesado. Por mais que a esquete em questão seja significativa e extremamente ácida, fazendo referência à escravidão, ela destoa do filme como um todo por ser bem mais amarga e também pelo uso de efeitos especiais, intencionalmente canhestros. O olhar dos soldados para o público, como se perguntassem o que você está achando do que está na tela, deixa nítida que a intenção de Andersson era realmente cutucar com vara curta.

Conceitualmente muito bem definido e dividido em 39 esquetes (para um filme de 1h40, ou seja, média de 2,5 minutos para cada uma), Um Pombo... é um filme incomum e também necessário, por mais esta vertente apresentada dentro da narrativa cinematográfica. Trata-se de um filme repleto de situações insólitas onde tudo o que acontece na tela é relevante, já que pode retornar numa esquete futura, mas que peca por uma certa irregularidade, normal em filmes episódicos, e também por este contraste brusco em sua reta final. Ainda assim, merece ser visto pelo formato inusitado e por algumas tiradas impagáveis.

Filme visto no 71º Festival de Veneza, em setembro de 2014.