Críticas AdoroCinema
3,5
Bom
Já Estou Com Saudades

Olhar feminino

por Francisco Russo

Certos filmes exigem de seu diretor uma compreensão além do mero conhecimento da arte de fazer cinema. São questões da vivência pessoal que, de alguma forma, influenciam no modo como determinado assunto é abordado em cena. Já Sinto Saudades, novo trabalho da diretora Catherine Hardwicke (Aos Treze, Crepúsculo, A Garota da Capa Vermelha), é um destes casos. Tudo porque o longa-metragem aborda uma questão difícil relacionada ao universo feminino: o quanto um câncer de mama afeta a vaidade.

Não é à toa que o roteiro também tenha sido escrito por uma mulher, Morwenna Banks. Juntas, roteirista e diretora conseguem transmitir uma sensibilidade tocante, mesclando momentos de dor e tristeza com várias piadas sarcásticas e de autoironia que tão bem funcionam como alívio cômico. O mesmo vale para a amizade eterna entre Milly (Toni Collette) e Jess (Drew Barrymore), com altos e baixos inerentes a uma relação tão longa e também com particularidades bem próprias das mulheres. Entretanto, nem tudo é perfeito. Já Sinto Saudades conta também com alguns problemas importantes, que atrapalham bastante.

O maior deles é em relação ao maniqueísmo do roteiro. É nítida desde o início a intenção de dosar o peso do câncer com as piadas, de forma a manter um clima alegre o máximo possível, mas o filme vai além e adota a mesma tática em relação à amizade entre Milly e Jess, já que enquanto uma está com uma grave doença a outra enfim consegue engravidar. O contraste entre a vida que se esvai e a que surge é pouco explorado dentro da narrativa, até por Jess ter bem menos espaço na trama. Por mais que o filme ressalte sua lealdade, o fato de estar sempre em segundo plano perante as atitudes de Milly a torna uma espécie de coadjuvante de luxo, uma mera escada para a amiga. O que também é auxiliado pela escalação de Drew Barrymore, que mais uma vez traz seu conhecido lado fofo para a personagem.

Ainda em relação à escalação do elenco, chama a atenção o fato de que Drew sequer tenta fazer um sotaque britânico ao interpretar uma personagem que cresceu e ainda vive em Londres, o que fica ainda mais explícito nas cenas em que contracena com o marido, interpretado por Paddy Considine. Por mais que ela até seja convincente na personagem, deixa uma ponta de decepção o fato de ter sido contratada para desempenhar o mesmo papel de quase sempre, sem qualquer nuance diferente. O que já não acontece com Toni Collette, esta sim desafiada, graças às variações de espírito de Milly e as próprias dificuldades decorrentes do tratamento do câncer. Ao analisar os desempenhos das duas protagonistas, Toni brilha enquanto Drew soa apenas burocrática.

O lado maniqueísta do roteiro volta a surgir em determinados momentos da trama, especialmente no final, quando os eventos se encaixam de forma, digamos, apropriada para trazer emoção à narrativa. Apesar disto, Já Sinto Saudades brilha especialmente na forma como trabalha o estado de espírito de Milly. A cena em que ela decide usar peruca, por exemplo, é habilmente dolorosa e tentando manter algum humor e esperança naquela situação. Da mesma forma o longa aborda questões difíceis, como quimioterapia, sentir-se mal com o próprio corpo, a importância de se sentir desejada e, é claro, o medo da morte.

Já Sinto Saudades é, de longe, o melhor trabalho de Catherine Hardwicke como diretora, onde enfim consegue demonstrar sua sensibilidade. Chama a atenção uma marca registrada de sua carreira, o uso de uma trilha sonora rock'n'roll, especialmente a bela sequência envolvendo a canção "Losing My Religion", do REM. Bom filme, que consegue dosar com habilidade o lado cômico ao inevitável tom dramático e pesado da história.

Filme visto no 17º Festival do Rio, em outubro de 2015.