Críticas AdoroCinema
3,0
Legal
O Reino Gelado

Gerda no país das maravilhas

por Bruno Carmelo

À primeira vista, O Reino Gelado parece uma animação infantil como tantas outras. Estão presentes o drama familiar (dois filhos pequenos são afastados dos pais por uma rainha malvada), um cenário de inverno em 3D que lembra muito A Origem dos Guardiões, um personagem central bastante semelhante à preguiça Sid de A Era do Gelo, e um poderoso espelho que dialoga com a personagem malvada, como em Branca de Neve e os Sete Anões. Tudo indica que vamos embarcar em uma aventura inspirada nos grandes sucessos infantis.

Aí entra em cena um roteiro mirabolante, certamente uma das histórias mais absurdas que o cinema de animação já criou. A trama, escrita por nada menos que sete pessoas, parece de fato ter sido criada por cada roteirista separadamente, sem que um conhecesse o trabalho do outro. Em busca dos pais, a pequena Gerda embarca em uma aventura que menos parece uma fábula do que um road movie. Ela faz diversos encontros (um novo personagem aparece a cada dez minutos, em média), mas estas pessoas não influenciam em sua trajetória, e ela segue adiante.

Aos poucos, sua história assemelha-se mais aos cenários coloridos e psicanalíticos de Alice no País das Maravilhas do que às tramas familiares da Dreamworks ou 20th Century Fox. Começam a aparecer nesta produção russa cenas que dificilmente entrariam nos roteiros politicamente corretos americanos, como um flerte incestuoso entre os dois irmãos (que foram afastados na infância e não sabem, no início, que pertencem à mesma família), uma quantidade impressionante de armas de fogo e mesmo um subtexto feminista – este filme é povoado por grandes vilãs e grandes heroínas, mas os homens são meros coadjuvantes.

Chega a ser curioso que uma produção russa faça do inverno a grande simbologia do mal, e é ainda mais interessante ver que a única maldade de uma das vilãs é seu grande apetite capitalista – ela vende flores a um preço maior do que valem. Já a rainha malvada não odeia todos os seres humanos, apenas os artistas, algo que lembra o velho ranço da Revolução Cultural Comunista, em que as obras artísticas não oficiais eram banidas na China. Fico imaginando a recepção que estas simbologias terão fora do antigo país soviético - O Reino Gelado estreia neste final de semana tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.

No que diz respeito ao aspecto visual, a produção faz um bom uso do 3D. Ao invés de fazer seus personagens pularem e deslizarem o tempo todo (como em A Origem dos Guardiões), é a câmera que faz amplos movimentos pelos palácios gelados e campos cobertos de neve, ou em torno dos personagens. Apesar dos traços simples nos desenhos de Gerda e seu irmão, a tecnologia empregada mostra uma produção digna de competir com grandes estúdios.

Mas o elemento de destaque em O Reino Gelado, para o bem e para o mal, acaba sendo o roteiro. Existem muitas mudanças nas regras durante o jogo: por exemplo, o espectador descobre subitamente que Gerda pode dar cheiro às flores, e o troll que a guia pelo reino malvado passa 13 anos à sua busca, sem que se perceba a passagem do tempo. Para que o espectador possa acompanhar as reviravoltas, os personagens explicam a história uns aos outros com detalhes, de maneira didática e exagerada, até risível.

No entanto, com tantos fios soltos, também some a obrigação de fazer uma obra redonda, com uma moral definida a passar. As crianças menores (público-alvo desta produção) podem aproveitar as moderadas cenas de ação, não tão hiperativas quanto nos filmes americanos, sem receber uma pesada lição de moral e bons costumes. Melhor assim.