Caldeirão pop
por Francisco RussoUm verdadeiro caldeirão pop, com referências mil que vão do videogame ao cinema americano contemporâneo, passando pela animação e até mesmo Star Wars. Assim é 2 Coelhos, um filme de ação frenética que surpreende pela nacionalidade: 100% brasileiro. O espanto se dá nem tanto pela qualidade demonstrada, mas pela aposta em um gênero até então pouco explorado no cinema nacional. A ação, quando surge, costuma estar atrelada a algum contexto social, como aconteceu em Cidade de Deus e nos dois Tropa de Elite. Em 2 Coelhos não, ela é a mola mestra da história. Com prós e contras.
A favor do filme pesa a excelência técnica. Extremamente bem produzido, 2 Coelhos impressiona pelo uso dos efeitos especiais. Seja nas várias cenas filmadas com a câmera super slow motion, que faz com que cada gesto, por menor que seja, torne-se grandioso, ou nas brincadeiras feitas para ambientar este universo muito particular do protagonista Edgar, onde o próprio chega a ganhar uma espécie de alter ego dentro de um videogame – “Detonando Miami Beach”, inspiração explícita de Grand Theft Auto. A edição rápida e as gags sonoras ajudam a criar uma trama que exige rapidez de raciocínio, nem tanto para compreender a história mas para capturar as citações feitas a cada instante. É filme para a geração multimídia, acostumada a animes, videogames e tudo o mais que aconteça ao mesmo tempo agora.
Por outro lado, o excesso acaba sendo também um dos vilões do filme. É tudo tão estiloso e, por vezes, exagerado, que chega num ponto que cansa. E, quando o filme precisa realmente de uma história que o sustente, ela não está lá. Há uma excessiva demora na apresentação dos personagens, algo até necessário para criar um clima de mistério sobre vários deles mas que acaba atrapalhando o desenrolar da trama como um todo. O que vem a seguir são sucessivas reviravoltas, onde cada uma revela um pedaço do porquê Edgar se envolveu neste plano mirabolante. Todas interessantes e sem furos – algo raro no gênero –, mas também de pouco impacto.
Algo que chama a atenção no roteiro é a tênue tentativa de criar a figura de um justiceiro. Edgar (Fernando Alves Pinto, caprichando nos maneirismos) é o típico herói torto, que traz boas intenções ao tentar punir a corrupção na política e o próprio crime organizado, usando para tanto meios ilícitos. Enquanto todos à sua volta estão de olho no dinheiro – ele também –, há ainda uma certa justiça que precisa ser aplicada, nem que seja para atenuar o sentimento de culpa que carrega consigo. Apesar de extremamente interessante, este aspecto é pouco explorado pela trama como um todo. Surge aqui e ali através de breves falas de Edgar e, mais explicitamente, no final. Mas aí já recheado de licença poética, daquelas necessárias para aceitar qualquer filme de ação.
Como um todo 2 Coelhos é um bom filme, com grandes chances de cair nas graças de quem aprecia filmes de ação. O apuro técnico salta aos olhos e merece ser louvado, não apenas pela qualidade mas também pela ousadia. Em um cenário onde é comum dizer que “brasileiro não sabe fazer ação”, o estreante diretor Afonso Poyart foi lá e mostrou que é possível. Destaque também para a criativa animação na sequência da síndrome do pânico, com a rápida presença de adoráveis monstrinhos que deixam o gostinho de quero mais.