Críticas AdoroCinema
2,5
Regular
Sudoeste

O limite da beleza

por Bruno Carmelo

É curioso que cheguem quase simultaneamente aos cinemas produções nacionais tão diferentes quanto Até que a Sorte nos Separe e Sudoeste. Enquanto o primeiro busca ser o mais fácil e transparente possível, o segundo procura o máximo de complexidade, de profundidade, e de "nobreza".

Por nobreza, entenda os traços estéticos e narrativos que marcam os filmes de arte mais prestigiados e mais herméticos: preto e branco ao invés da cor, grãos imensos ao invés da película pouco sensível, contraste exagerado ao invés dos tons de cinza, história circular e fragmentada ao invés do arco narrativo convencional, silêncio ao invés dos diálogos (os personagens murmuram monossílabos, e não respondem às perguntas uns dos outros). O widescreen, escolha comum das grandes produções, é trocado por um formato ainda mais retangular, que implica a presença constante de faixas pretas horizontais na tela, em cima e embaixo da imagem. Mesmo o título tem uma grafia diferente: o primeiro "e" de Sudoeste é escrito em itálico.

Ou seja, este filme não é como qualquer outro, e ele faz questão de afirmá-lo. Inspirado em tradições leste-europeias pouco comuns na cinematografia nacional (as escolas russas, húngaras, tchecas de Andrei Tarkovski, Bela Tarr e cia.), o diretor Eduardo Nunes diverte-se ao montar seus enquadramentos nesta faixa retangular, com rostos espremidos pelos cantos, além de cabelos e cortinas voando pelos ares. Se Fritz Lang dizia que o widescreen servia para filmar serpentes e funerais, o formato de tela de Sudoeste serve para as linhas contínuas e infinitas, como os leitos dos rios, as marcas de terra nas estradas e as carreiras de flores pelos campos.

Aos poucos, uma tímida narrativa começa a se desenvolver, sobre a vida de Clarice. A sinopse delimita com clareza os conflitos da personagem, mas talvez não seja tão fácil de identificar esta premissa no próprio filme. Parece que o interesse do diretor não se encontra no desenvolvimento de personagens (vide as diversas figuras femininas, superficiais), mas na construção de uma atmosfera contemplativa, lenta, bela, que pretende usar o tempo do filme para refletir sobre o tempo de vida da personagem.

A história acaba sendo sufocada pela estética barroca e ostensiva - esta sim, a verdadeira personagem de Sudoeste. A miséria bela e etérea, o sertão anônimo e fetichizado, desconectado da realidade, tem sido o palco de predileção dos filmes autorais feitos por novos diretores brasileiros, como já vimos recentemente em Mãe e Filha, de Petrus Cariry. O sertão é o espaço da cinefilia por excelência, o cenário consagrado das inovações do Cinema Novo. Mas aquele cinema político cedeu espaço a um prazer da construção da imagem que faz do enquadramento o nascimento e a morte de uma ideia.

Sudoeste, no fim, funciona melhor como álbum de retratos, como coleção de fotos paradas. As imagens são belas, mas a beleza representa justamente o limite da proposta, a fronteira deste mundo comprimido em tons e formatos muito precisos. Eduardo Nunes tem ambição e gosto pela composição de imagens; vamos esperar que nos próximos filmes o cineasta faça suas escolhas de direção pensando na melhor maneira de contar sua história, e não nas apenas possibilidades de deslumbramento visual que o cinema lhe apresenta.