Críticas AdoroCinema
1,5
Ruim
O Carteiro

Trapalhões apaixonados

por Bruno Carmelo

O término da trupe dos Trapalhões, responsáveis por alguns dos maiores sucessos do cinema nacional, deixou uma lacuna na produção cinematográfica recente. Com o fim de Didi, Dedé e companhia, sumiu também uma visão ingênua, leve e romântica da sociedade. As novas comédias populares (De Pernas pro Ar, E Aí... Comeu? etc.) abraçam sem pudores o sexo e a modernidade, mas os filmes dos Trapalhões ainda apostavam na visão pura e inocente dos indivíduos, representada pelo humor burlesco e pelas figuras infantis. A estreia de O Carteiro tenta resgatar de certa maneira esta tradição.

O filme é dirigido por Reginaldo Faria, produzido por ele mesmo e atuado por seus filhos Candé Faria e Marcelo Faria. Dizer que este é um empreendimento familiar é pouco – ele parece mesmo uma brincadeira em família, de baixíssimo orçamento, feita entre amigos, para amigos. Aqui, a precariedade é assumida em nome deste ideal de pureza evocada pelo cenário campestre, com seus homens brutos, mas bondosos, e suas mulheres ingênuas. O Carteiro acredita seriamente na virtude do bom selvagem.

A história é teoricamente adaptada de Machado de Assis, mas o humor machadiano, crítico às classes sociais, está ausente. Aproveita-se apenas a fina trama narrativa, com uma série de amores apresentados logo nos primeiros minutos, pelo narrador: Rafael (Marcelo Faria) ama Natalina (Ingra Liberato), descrita como "a boazuda que gosta de tirar fotos", Dona Genoveva (Fernanda Carvalho Leite) é a "viúva gostosa" que gosta de Victor (Candé Faria), que gosta por sua vez da virginal Marli (Ana Carolina Machado)... Nesta comédia de olhar tipicamente masculino, todos os homens são desajeitados e conquistadores, e todas as mulheres encaixam-se nas categorias de santa ou prostituta. Mesmo assim, o sexo nunca acontece em cena, já que este é um daqueles filmes em que adultos transam vestidos.

Assim, os personagens não se desenvolvem além destas descrições iniciais: a boazuda das fotos aparece com roupas justas, tirando fotos; a viúva que só pensa em sexo surge em cena para falar ex-marido, e seduzir Victor. A apresentação dos primeiros minutos esgota a complexidade da história. Daí em diante, entra em cena uma trama rocambolesca de manipulação de cartas, que nunca sabe se deseja virar um drama (a tristeza de Marli), uma comédia (a presença do melhor amigo, o paspalhão Jonas) ou um suspense policial (quando o delegado entra em cena).

As deficiências da produção incomodam: os cenários internos têm cara de estúdio mal arrumado (o que dizer da delegacia de polícia?), a edição nunca confere ritmo à trama, a iluminação direta só acentua as falhas da direção de arte (até o cartaz de um patrocinador, precariamente colado sobre a fachada de um prédio, deixa à mostra os pedaços de fita adesiva). Já a trilha repleta de violinos e sanfonas parece salientar, a cada cena, o aspecto fantasioso desta história. Da noção de fantasia surge a aparência de uma temporalidade suspensa: não se sabe exatamente quando se passa esta trama, mas não resta dúvidas de que ela está muito distante da realidade.

É curioso pensar que muitos filmes são condenados pela fragilidade da produção, embora tenham grandes ambições artísticas. O Carteiro, no entanto, tem orgulho de sua ingenuidade, de sua simplicidade extrema, tanto na linguagem cinematográfica quanto na visão de mundo. Esta obra se alimenta de ideias tão amplas quanto banais, como "Tudo vale a pena em nome do amor", "Amores estão traçados pelo destino" etc. Em seu elogio aos casais brutos de antigamente, vivendo precariamente de amor, O Carteiro é um filme tão dócil quanto conservador. Felizmente, o cinema e a sociedade evoluíram muito desde então.