Críticas AdoroCinema
5,0
Obra-prima
O Palhaço

PROGRAMÃO PARA O RESPEITÁVEL PÚBLICO

por Roberto Cunha

Quem é você? Qual é o seu lugar? Duas perguntas sintetizam o momento de vida do protagonista deste drama escrito, produzido, dirigido e atuado por Selton Mello. A boa notícia é que, bem diferente de seu primeiro trabalho por trás das câmeras (Feliz Natal), este título de agora se comunica com o público de maneira simples, tocante e ao mesmo tempo repleta de simbolismos.

Num passado não muito distante, Benjamim (Selton Mello) e seu pai Valdemar (Paulo José) formam a dupla de palhaços Pangaré & Puro Sangue, do Circo Esperança. Juntos com sua trupe, eles viajam pelos confins do Brasil e fazem a alegria da plateia. Mas a vida anda sem graça para Benjamin, que passa por uma crise existencial e precisa saber quem ele é para descobrir aonde deveria estar.

O bom gosto no visual de caleidoscópio da abertura já prepara o espectador, que embalado pela trilha sonora de Plínio Profeta (Cilada.com) vai entrar rapidamente no espírito circense e também se emocionar com o acordeão, as cordas e sopros, que rendem momentos de puro encantamento.

Embora existam no texto piadas aqui e acolá (nada de especial), a essência do longa não está no riso, que aparece em pitadas, que se sustentam, como a do sutiã grande. Mas uma leitura mais atenta fará você encontrar a traição em mensagens subliminares em quadros de "chifrudos", na foto da vilã Lola (Giselle Motta) junto com o grupo, mas olhando para o lado, na perda da inocência de uma menina simbolizado pela mordida numa maçã ou em Benjamin diante do espelho, tentando se encontrar. E o ventilador, carregado de significados e presente em toda a trama (até na logomarca da produção), tem os bons ventos da renovação representada pela menina Guilhermina (Larissa Manoela).

Flertando com o universo chapliniano, seja pelos silêncios, olhares ou gestuais, Mello acertou na sua composição e na inclusão de personagens curiosos, cujo mérito para muitos estará na escalação do elenco, que resgata ícones do passado, como o ator Ferrugem (o eterno garoto propaganda da Ortopé), os comediantes Jorge Loredo e Moacyr Franco, entre outros talentos, como os de nossa música estilo "dor de cotovelo", destacado, nos créditos finais.

Assim, essa é a singela, divertida e dramática trajetória de alguém que um dia partiu iludido pelo amor e, felizmente, reencontrou o humor. Por essas e por outras razões, é fácil afirmar - sem brincadeira - que O Palhaço é um dos melhores filmes do ano. Sério e lúdico na dose certa. Um programão para o respeitável público.