Estereótipos
por Francisco RussoEscrever sobre filmes religiosos é sempre complicado. Se o filme é elogiado, o autor é crente. Se é criticado, é preconceituoso. Em temas inflamáveis como religião qualquer opinião desperta paixões por vezes exageradas, onde a crença pessoal supera toda e qualquer evidência. Natural que seja assim. Faz parte da essência humana defender o que acredita, usando os argumentos que dispõe. Estranha é a intenção em eliminar a discordância ao invés de debatê-la, como se houvesse uma guerra onde é essencial que haja um vencedor. Sintoma dos dias atuais, talvez. De toda forma, é importante ressaltar que está em análise não a crença de cada um, mas um filme que usa a religião como seu elemento primordial. E que, como tal, precisa ser analisado como cinema. Nada além disto.
As Mães de Chico Xavier surge para fechar as comemorações do centenário de nascimento de Chico Xavier, o médium mais conhecido do Brasil. Entretanto, possui características bem diferentes dos demais filmes espíritas que chegaram aos cinemas no último ano. Chico Xavier é uma cinebiografia, com as características próprias do gênero, enquanto que Nosso Lar usa efeitos especiais na intenção de representar o universo espiritual. As Mães... é, acima de tudo, fincado na realidade. Os preceitos espíritas estão presentes na história através de sentimentos e crenças, mas nunca em representações etéreas, como ocorreu nos filmes anteriores. Apesar disto, podem ser considerados filmes irmãos pelo tema, jamais pela qualidade.
As Mães de Chico Xavier é o pior do trio, por uma série de motivos. O principal, e mais grave, é a lição de moral embutida no filme. Por mais que se espere a presença de preceitos do espiritismo, é preciso ter a responsabilidade de abordar temas polêmicos não apenas pela ótica religiosa, mas também social e econômica. É o caso do aborto. O filme, "dedicado às crianças vítimas do aborto provocado" - está lá, nos créditos finais -, leva em conta apenas um lado da questão, como se fosse possível tomar uma posição sem ouvir os demais. Não está em jogo ser contra ou a favor do aborto, mas sim possibilitar que o espectador analise todas as variáveis de forma que possa tirar sua conclusão. As Mães... assume uma posição e a enfia goela abaixo, sem pensar duas vezes. A opção em não deixar que o público pense é a pior possível, pela tentativa de impor seu ideal.
Há ainda problemas estruturais. Simplório e extremamente óbvio, o filme logo cansa. Também por não haver identificação junto às três mães retratadas, interpretadas por Vanessa Gerbelli, Via Negromonte e Tainá Müller. O trio até se esforça ao representar o sofrimento e as dúvidas de suas personagens, mas os diálogos rasos e a atuação exagerada de Joelson Medeiros, o pai do garoto Theo, jogam por terra todo o esforço.
De positivo, há dois pontos. Um deles é a atuação de Nelson Xavier como Chico Xavier, bem diferente de sua própria interpretação em Chico Xavier. Sai o personagem midiático e, de certa forma, vaidoso, e entra um mais intimista e envelhecido, que melhor cativa a afeição dos que estão à sua volta. Infelizmente, são poucas as suas cenas no filme. Outro ponto interessante é o modo como a imprensa é mostrada, ressaltando seus vícios em detrimento das virtudes. Frases como "não é todo dia que há a oportunidade de trabalhar a verdade no jornalismo" e "obedecemos ao mandamento maior, a audiência" revelam a face suja da imprensa, muitas vezes escondida diante do idealismo de seus representantes. Por outro lado, não deixam também de generalizar a imprensa como o inimigo a ser combatido ou, pelo menos, desmerecido. O que não deixa de ser uma visão limitada sobre a situação.
As Mães de Chico Xavier é um filme cansativo, que tenta aproveitar a onda espírita que tem assolado o cinema brasileiro para faturar uns trocados. Nada contra este tipo de filme, desde que seja bem feito. Não é o caso. Há um desleixo em certos aspectos, em especial no roteiro, que irritam. É duro ouvir "isso é uma vida humana" e "é o começo de uma longa existência" como únicos argumentos para tratar de um tema tão importante, e contraditório, como o aborto. Pior ainda é notar a forma como este e outros assuntos cruciais são abordados, através de um pré-julgamento. Como se o público não fosse capaz de decidir por conta própria o que é melhor para si.