Cartilha Espírita
por Francisco RussoO cinema, em qualquer lugar, sofre influências do gosto popular. Quando um filme faz sucesso, é natural que outros de conteúdo semelhante venham na esteira. Assim foi com Cidade de Deus, que abriu caminho para uma série de filmes que abordavam a violência e a miséria. Nosso Lar tem uma história semelhante, já que chega ao circuito poucos meses após o sucesso de Chico Xavier. O espiritismo está em alta, o que se por um lado pode abarrotar as salas por outro pode fazer com que a qualidade fique de lado em nome de outros interesses.
O maior mérito de Nosso Lar é em relação ao seu aspecto visual. Há um apuro nítido com a direção de arte e figurino, de forma a criar o que seria a "vida após a vida", como o filme prega. Tanto no purgatório quanto na cidade espiritual, as cores definem o clima local e são cruciais para a boa ambientação. Ou seja, se os tons escuros servem para dar o ar de desespero e sofrimento do purgatório, o ambiente claro da cidade de Nosso Lar transmite paz e harmonia entre seus habitantes. Tudo meticulosamente calculado e bem feito. O que deixa a desejar são os efeitos especiais, já que em várias cenas fica explícito que o exibido trata-se de pura animação.
O grande problema do filme é sua narrativa extremamente contemplativa, que a partir de determinado momento cansa. Nosso Lar é uma cartilha ideológica espírita, que tem por objetivo explicar tintim por tintim o que acontece após a morte do corpo humano. Desta forma, quem é espírita ou tem simpatia pela religião verá tudo aquilo que acredita na tela e, possivelmente, se empolgará com isto. Quem tem dúvidas ou aflições sobre o tema encontrará uma possibilidade, bem descrita e coerente dentro do que é proposto, o que pode servir de alento. Só que não está em questão a catarse do fiel ao ver sua crença nas telas, mas sim o que o filme apresenta como cinema. E, dentro desta ótica, é bem pouco.
A trama começa a partir da morte de André Luiz (Renato Prieto, correto). Médico cético, ele vai direto ao purgatório e depois é levado à cidade de Nosso Lar. Aos poucos conhece sua nova realidade, apresentada também ao público. Em meio a frases batidas como "foi como acordar de um longo sonho" e "todo merecimento se conquista através do trabalho", cada detalhe do mundo espiritual é apresentado. E só. Nada mais acontece. São cenas e mais cenas de contemplação sobre a beleza da natureza, a paz de espírito e a alegria em ajudar o próximo. Tudo como a cartilha prega.
Nosso Lar é um filme de produção caprichada, mas que carece de história. Há também, de forma implícita, o empenho em angariar novos seguidores para o espiritismo. Afinal de contas, o cinema é um belo meio de propagar ideias e costumes. Resta saber o quanto o público se deixará influenciar por isto.